Opinião

Como construir uma marca amada em uma indústria odiada

Vamos ser francos, alguns setores são odiados. Novos entrantes precisam aprender a conquistar a admiração dos clientes. Apenas um storytelling bonito não adianta

Fábio Milnitzky

CEO da iN – Consultoria de Marcas 24 de outubro de 2024 - 17h41

Cases de sucesso e apresentações de estratégia têm um problema: muitas vezes elas mostram histórias tão perfeitas e soluções tão eficientes que, hum… fica aquela sensação incômoda de que alguém esqueceu de contar alguma coisa e tudo parece ter acontecido em um mundo de fantasia. Por isso mesmo é refrescante sentir um sopro gelado de realidade no primeiro dia do The Gathering 2024, um evento que acontece há onze anos nas montanhas de Banff, no Canadá.

O The Gathering é uma imersão no mundo das marcas, não somente sob o aspecto do branding ou da publicidade, mas também da cultura corporativa, do propósito e da conexão com seus públicos. Este ano, os palestrantes incluem brand leaders de empresas tão diferentes como Levi’s, Call of Duty, Barbie, McDonald’s, NFL, Coca Cola, Diageo, Pfizer e Paramount, ao lado de startups, fintechs e ONGs.

O ambiente do evento é criado para que os participantes possam compartilhar seus aprendizados e suas angústias, e endereçar as questões reais. Nesse primeiro dia, uma das apresentações que mais me chamaram a atenção foi a de Nic Beique, fundador e CEO da Helcim, uma empresa de pagamentos que atua nos EUA e Canadá.

“Sim, eu trabalho com pagamentos. Eu sei, ninguém gosta de pagamentos. Se você pergunta para o pessoal que tem restaurantes, eles não gostam. Pergunte para os comerciantes. Não gostam. Pergunte para todos os pequenos negócios e você vai ver. O Net Promoter Score médio das empresas de pagamentos é de 21… negativo”, resumiu ele, logo no início.

Então, as startups acreditam que a chave do sucesso é criar uma solução nova para um problema que os grandes players do mercado não conseguem – ou não estão interessados – em resolver. “A fórmula deveria ser fácil, não é? Vê onde o serviço é ruim, oferece um serviço bom e pronto”, provoca Nic. Só que a marca “desafiante”, que está entrando no mercado, vai ser encarada pelo cliente com a mesma desconfiança que os velhos players. A falta de credibilidade de todo o setor cria uma barreira psicológica. “É preciso lidar com clientes desiludidos e cínicos, que na melhor hipótese esperam mais do mesmo”, alerta.

Para enfrentar esse desafio, ele acredita que aprendeu algumas lições. Vou tentar resumi-las aqui:

Qualidade impecável. Se a sua oferta de produto ou serviço não for muito melhor do que a da concorrência, você nunca vai superar a desconfiança de ser mais do mesmo. Invista fortemente em pesquisa e desenvolvimento e se concentre em ter um produto excepcional. Nenhum storytelling vai te salvar de um produto medíocre.

Pode bater de frente com o status quo. Não fuja da má reputação da indústria, pelo contrário, use ela a seu favor. Faça de sua missão se tornar “a empresa mais amada do mundo na indústria “xptódio”.

Crie uma identidade ousada e diferenciada. A opção da Helcim foi usar cores, imagens e uma estética que eram o oposto de seus concorrentes dominantes. “Isso ajuda a tirar os clientes do seu estado mental padrão”, observou.

Mostre o lado humano. Conte as histórias das pessoas por trás da sua marca, conte histórias reais, não use fotos de banco de imagem. Autenticidade ajuda a construir confiança e conexão.

Mantenha os seus princípios de forma inegociável. Todas as decisões que você tomar precisarão ser baseadas em sua missão e seus valores. Falhar em qualquer questão de valores vai destruir a confiança que você lutou tanto para conquistar.

Aproveite seus clientes apaixonados. Quando você resolve uma birra que o cliente tinha com todo um setor, você ganha fãs. Identifique quem eles são, cuide bem deles e lhes dê poder para que virem embaixadores de sua marca. O entusiasmo real deles é um antídoto para o cinismo da indústria.

Diferenciação é tudo. Alcançar diferenciação e, por incrível que pareça, admiração e respeito em uma indústria odiada, é possível. Mas exige um compromisso implacável. “Se você entregar consistentemente o que sua marca promete e desafiar continuamente o status quo, você supera até as percepções mais enraizadas”, conclui Nic. Saí da palestra com vontade de imprimir, emoldurar e enviar as lições para um bom número de empresas. Mas muitas provavelmente não querem aprender.