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Opinião

Dance like nobody’s watching because everybody’s watching

Como a autenticidade está matando a autenticidade na comunicação digital


18 de julho de 2024 - 6h00

Outro dia na academia, em uma situação super corriqueira , vi uma cena que me fez refletir muito sobre um dos assuntos que estão mais na ponta indivíduo-influencer do mar de loucuras que é o marketing de influência: um cara do meu lado aparentemente estava se divertindo muito enquanto fazia seu cardiozinho, meio correndo, meio dançando, com fones de ouvido enormes, cantando muito alto. Eu e todos presentes olhávamos com um sorriso no rosto, ele estava realmente feliz. Vendo aquele furor todo, logo me veio a frase “Dance like nobody’s watching” (pensei nela em inglês assim mesmo, culpa de uma carreira construída no mercado publicitário, acredito), junto com essa frase imediatamente me surgiu a pergunta — “É possível dançar sem ligar pro olhar do outro SABENDO que o outro está vendo?”, pergunta velha filosófica, ela surge o tempo todo, inclusive quando falamos sobre Big Brother e como é a experiência de uma pessoa confinada sob câmeras, mas nesse caso me ocorreu pensando nos influenciadores e nesse moldar a si mesmo pra ganhar audiência, pra agradar as marcas, pra criar uma “relevância”.

Na minha jornada liderando uma agência dedicada a navegar pelas águas da influência, já vi muitos influenciadores se curvarem aos desejos do mercado e se perderem nessa decisão. Especialmente quando esses desejos são tão móveis. Constantemente, os profissionais de agências especializadas, consultorias e marcas estão avaliando e reavaliando as tendências e medidas que evidenciam uma possível relevância do influenciador e, assim, fazer melhores escolhas nas contratações. Dentre essas medidas tem sempre alguma que está mais em voga, a bola da vez aparece mais nos briefings, reuniões, pedidos de curadoria. Já passamos pela fase do termo “relevância”, era o mais pedido (quando nem se sabia ao certo o que isso significava), teve o momento de “conexão com a audiência”, “super creator” (se referindo a influs com uma ótima capacidade criativa e de execução audiovisual), enfim, são inúmeros os exemplos.

Dando uma circulada por eventos, palestras, talks, workshops e cursos da Creator Economy nesse último ano, um desses termos (conceitos) vem ganhando (já ganhou) muito mais destaque do que sempre teve: a autenticidade, que é pregada de forma ferrenha como um pilar crucial na construção da carreira de influenciador de sucesso. É apresentada como uma expressão genuína do “eu”, uma emancipação da armadilha da comparação com o outro, que abre espaço para o criador mostrar o que há de melhor em si. Essa noção oferece liberdade e potencial para conteúdos originais e conexões significativas com o público. A premissa é muito boa, indivíduos genuínos criando conteúdos verdadeiros que atraem pessoas e ainda, de quebra, angariam o investimento de marcas com mesmos valores e ideais.

Mas (sempre tem que ter um MAS né), como toda tendência, ela move uma força que precede uma contra-tendência. Quando a autenticidade se transforma em um indicador de sucesso, ela invariavelmente se torna uma moeda social e financeira muito forte. Se ser autêntico tem o poder de levar alguém pra um patamar melhor na creator economy, essa autênticidade então, quase que automaticamente se torna produto.

A consequência disso é o abafamento do real pressuposto, uma vez que essa busca incessante pela autenticidade genuína leva a um ciclo de autovigilância exaustiva, com criadores questionando constantemente sua autenticidade — “Será que isso representa o que eu sou de verdade? Será que eu gosto mesmo disso? Será que esse é meu propósito?”. Com um constante questionamento acabam criando uma imagem muito desenhada de sí mesmos, atuando como personagens de um filme, onde os próprios influenciadores interpretam a sí mesmos. A autenticidade então, que deveria ser justamente essa libertação do confronto com a opinião do outro, gera um novo tipo de comparação — “será que ela/ele é mais autêntico do que eu?”.

Os influenciadores vivem um Big Brother da vida real. Eles são incentivados a criar conteúdos ao melhor estilo “Dance Like Nobody’s Watchi”, mas com a consciência de que “Everybody’s Watching”, que vem com uma camada de hiper vigilância em todo conteúdo. É como se um jovem jogador de futebol tivesse os olheiros dos times mais importantes do mundo em TODOS os seus treinos, julgando cada micro coisinha com critérios absurdamente subjetivos. Somado a tudo isso, os creators ainda resistem ao medo do esquecimento, do cancelamento, do trabalho não recompensado, entre muitos outros desafios. Não à toa pauta sobre a saúde mental dos criadores é tão forte.

E se “Everybody’s Watching” e os olheiros estão na arquibancada, é preciso que essa autenticidade não só exista como seja percebida, fazendo uma confusão danada entre “ser autêntico” e “ser diferente”, quando, na verdade, autenticidade não pressupõe essa diferença, ela propõe singularidade. Mas persistindo no erro, na ânsia então de expressar e externalizar esse ser diferente, acabam todos reproduzindo códigos e signos do que se entende por ser diferente. Infelizmente, isso é manifestado quase que exclusivamente pelo consumo (roupas, viagens, livros, música) e não pelo simples ser. Estamos criando um oceano de diferentões, todos iguais, invertemos a ordem e muitos estão “dancing like everybody’s watching, but nobody’s watching”.

Paradoxalmente, a autenticidade genuína pode estar muito mais próxima de quem não busca por ela. Num papo de bar, uma amiga me confrontou pedindo então exemplos de influs que parecem não ter caído nessa arapuca e que expressam sim uma autenticidade não associada a consumo e diferenciação. De bate e pronto já lembrei do Casimiro. A gente não vê ali uma tentativa de diferenciação, os conteúdos dele são tão comuns como qualquer outro: um cara reagindo a vídeos, falando as coisas que passam na cabeça dele, nada de novo ou diferente sob o sol. A Valen Bandeira também julgo um bom exemplo; mostra simplesmente quem ela é, com um humor e reações que são muito particulares dela. E tem o Diogo Defante que, pensa comigo, se você tentasse vender a ideia de usar ele em uma campanha publicitária somente tentando explicar o que é o conteúdo dele, pareceria a coisa mais genérica do mundo, poderia ser qualquer um, inclusive não passaria pelo crivo de um conteúdo publicitário de uma grande marca. Não dá só pra contar como é, precisa mostrar como é.

Mas calma, meu intuito aqui não é criticar a autenticidade, acredito muito no poder dela nesse mercado. Minha intenção é refletir sobre as ações e reações culturais no mercado para não cair em armadilhas.

No caso do creator, a reflexão de parar e respirar um pouco antes de reagir a qualquer demanda de mercado, também pra poder entender que algumas demandas existem mesmo que isso não venha pedido com todas as letras. No caso dos agenciadores, especialmente as grandes agências de casting, já passou da hora de começar a refletir melhor sobre a profundidade do trabalho de quem está nessa ponta (refletir e mover mudança), os influenciadores necessitam de um apoio genuíno, tanto nos desafios mercadológicos quanto nos pessoais.

Pra marcas, agências, intermediadoras e afins, precisamos refletir sobre o que se espera de verdade de influenciadores antes de reproduzir máximas do mercado, não que elas não possam estar corretas, mas só precisamos ficar atentos ao que queremos DE VERDADE, medindo o máximo possível as possíveis consequências de rotas assumidas.

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