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Opinião

Download bem aleatório do SXSW

Em geral, faltou debate, sendo que fazer as perguntas certas é o que pode gerar realmente um confronto de ideias


29 de abril de 2024 - 6h00

A primeira palestra que eu vi foi uma conversa entre uma cientista da Nasa e uma poetisa. Achei emblemático que a poetisa tenha dito que a poesia não existe nas respostas e, sim, no desconhecido. Porque, em um evento em que muita gente sai com a impressão de ter encontrado as respostas, é curioso que esse recado tenha sido dado logo no início. Inclusive, foi muito bonito ver que a correlação que as duas encontraram em seus trabalhos é uma intrínseca disposição para abraçar o mistério. Entre a urgência de forjar teses imediatistas e o passeio pelo desconhecido, prefiro a última opção.

O SXSW é uma grande reunião de slides feios. Alguns ilegíveis. “Ah, mas isso mostra que o foco estava no conteúdo.” Ok, ok, mas não precisava ser uma Avenida Santo Amaro dos slides.

Uma coisa que eu senti falta: debate. Em uma palestra, alguém defende que tal coisa será o fim do mundo como conhecemos, clima de apocalipse, temporal, bonecão de marshmallow invadindo a cidade. Na outra, uma criatura defende que a mesma coisa será o início de um novo mundo, clima de arco-íris, sons de fadas, carro dos Jetsons sobrevoando o auditório. Essas duas pessoas nunca se encontram para debater.

O adesivinho colorido para colar no crachá na hora de ir ao banheiro e poder voltar para a palestra. Seria ele uma resistência analógica disfarçada?

Uma parte desse negócio ainda é sobre fazer as perguntas certas. A maior prova disso foi o entrevistador Josh Constine em sua conversa com o Peter Deng, do ChatGPT. Do que eu vi, ele foi o mais próximo de gerar um confronto de ideias.

“Se as máquinas aprendem com os humanos, elas vão aprender o bom, o mau e o terrível.” – Joy Buolamwini.

O índice de palestras “jabá” pareceu alto. Em uma delas, depois de 30 minutos de venda, entrou o renomado chef José Andrés, fundador da World Central Kitchen: 68 cozinhas solidárias na Faixa de Gaza, com mais de 42 milhões de refeições servidas pela ONG. José Andrés tentou resumir sua missão: “A gente pode até falhar em levar comida para quem precisa. Mas a maior falha seria não tentar levar”. Lamentavelmente, no começo deste mês, sete integrantes da World Central Kitchen foram mortos em um ataque aéreo de Israel. O chef, nos seus breves 30 minutos, foi uma grande lição de humanidade no SXSW.

A despeito de toda a discussão de inovação e tecnologia, hoje, temos o menor índice de americanos que creem que a ciência tem impacto positivo no mundo. Qualquer correlação entre essa queda, as fake news e o movimento antivacina não é mera coincidência.

O cenário de fake news ainda é um lugar longe de solução e regulamentação. Na apresentação da CEO do MIT Technology Review, Elizabeth Bramson-Boudreau, surgiu a frase: o cenário da desinformação vai piorar muito antes de melhorar. Para roubar uma expressão do Pedro Markun, que apareceu em conversa no podcast do Cris Dias: a dissolução da verdade nos ronda.

O encontro de IA com biotecnologia vai revolucionar a medicina.

Não estamos imunes à deepfake. O uso de imagens pornográficas geradas por IA já se alastrou pelas escolas dos EUA. Vai piorar.

Ninguém sabe o que vai acontecer no detalhe daqui para frente. Ninguém.

O mercado de comunicação tem pulsão de morte. Explico em um próximo artigo.

Brisket é superestimado. #polêmico

É muita informação. A parte da música é o sal de frutas mais maravilhoso para ajudar na digestão. Muda todo o astral do festival.

A maconha é legalizada em Austin. Erva, óleo, jujubas mil. E aqui estamos discutindo ainda sobre criminalizar o usuário. É um longo passado pela frente.

Quase metade das crianças brasileiras até 14 anos vivia em situação de pobreza em 2022, segundo dados do IBGE. São 20,3 milhões de meninos e meninas sem o básico. Quando falamos de um Brasil conectado com o que acontece no SXSW, de qual Brasil estamos falando? Esse abismo social vai piorar ou melhorar com as novas tecnologias?

Ninguém se forma mais rapidamente que guru. Em três dias de SXSW, já tem guru pós-graduado no assunto que acabou de ser falado.

Dúvida de regra de etiqueta: quando encontramos a mesma pessoa em quatro eventos seguidos é preciso fazer todo o ritual de cumprimento?

Depois de um tempo, fica difícil discernir se você não está preso em um grande Dia da Marmota corporativo.

A Flatstock 92, a feirinha de posters, é a descompressão necessária para o tanto de slides feios.

Austin é território sagrado de Stevie Ray Vaughan. Pisei em todas as biroscas possíveis de blues.

Meu último momento no SXSW foi em uma apresentação impecável do Black Keys. Porque, se na abertura do festival a poetisa dissertou sobre o mistério, nada poderia ser melhor do que fechar com uma forma de arte que sempre é capaz de tocar os mistérios que habitam em nós.

P.S.: Minha parte de imaginar coisas está diretamente ligada à existência do Ziraldo. Obrigado por tanto!

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