E a conta chegou
As empresas de mídia não se preocuparam em criar uma relação direta com audiência e anunciantes
As empresas de mídia não se preocuparam em criar uma relação direta com audiência e anunciantes
Por muito tempo as empresas de comunicação sonhavam em ser parceiras das Big Techs – em especial do Google. Qualquer laboratório, oficina, treinamento oferecido pela gigante de tecnologia provocava filas e mais filas de interessados. Parecia ser um passo para se entender as lógicas de seus sofisticados sistemas de busca, indicações, posicionamento. E a cenoura com alguns cifrões apontando ao final do longo e escuro túnel.
Dez entre dez aventureiros do mundo da mídia comemoram cada centavo ganho pelos métodos do Google e do Meta. O volume foi sendo cada vez menor, mas o entusiasmo parecia o mesmo. Se de repente a audiência caía drasticamente, a culpa era jogada no ajuste do algoritmo. E vinha a promessa de recuperar no mês seguinte – pura ilusão. Depender de programática, por exemplo – algo promovido pelo mesmo Google – revelou-se uma tremenda aposta furada para quem já viveu com margens gigantescas.
De vez em quando surgiam algumas “soluções cala-boca”, como um dinheiro a fundo perdido para ajudar na crise do Covid, um financiamento minúsculo para algum projeto que nitidamente não faria sentido, e até iniciativas que já nascem derrotadas como o Instant Articles, no Facebook, e o Showcase, no Google.
Tudo para manter as empresas de comunicação iludidas com um modelo de negócios falido. Ganham as Big Techs, sepultam-se as empresas de mídia que não se enquadrarem. Pouco a pouco foi preciso cortar custos, mudar estratégias, readequar as equipes, repensar a relação com a sociedade – e como sobreviver. Para muitos, essa autocrítica veio tarde demais.
Mas o golpe de misericórdia apareceu com o avanço da Inteligência Artificial. Primeiro foi o chatGPT, logo em seguida o Gemini e outras iniciativas das empresas de tecnologia. A chegada do AI Overviews (do Google), anunciada no fim de maio, vai ser a extrema unção de todas as empresas de mídia que dependem das buscas do Google para obter audiência.
Sabe aqueles links (em azul) que aparecem sempre que você faz uma busca por algum assunto no Google? Pois é, com essa ferramenta eles só aparecerão na segunda tela. A Inteligência Artificial faz um resumo do assunto, buscando conteúdos naqueles links que vão deixar de exibir, e apresenta o resultado em destaque. Como a esmagadora maioria dos usuários não quer ler o texto inteiro, apenas conhecer a resposta para sua pergunta, a relevância dos links – e os clicks – vai desabar. Mais: entre a resposta gerada por IA e os links ainda aparecerão recomendações de outros assuntos, propaganda e sugestões de compras.
Pois é, a conta chegou. Pior, a responsabilidade é das empresas de mídia, que aceitaram as estratégias do Google durante os últimos anos. Sem questionar, achando que era o caminho ideal. E não se preocuparam em criar uma relação direta com audiência e anunciantes. Ninguém no Brasil conseguiu estabelecer essa relação – talvez Globo.com (mas com a proposta de conteúdo aberto para sempre). Na América Latina o argentino Clarín foi quem soube enxergar o risco da dependência do Google e montou a tempo seu negócio.
Agora é tarde. A mídia criou o monstro. O monstro cresceu. Colocou novas regras na floresta. E nessa densa floresta escura, apenas uma certeza: é preciso aprender a viver com as novas regras, sem o controle do negócio. Os intermediários tomaram conta.
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