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Opinião

Entre o velho e novo: surge o consumidor emancipado

As transformações sociais, tecnológicas, econômicas e culturais originaram mudanças no comportamento dos indivíduos e, consequentemente, no seu modo de ser consumidor


4 de outubro de 2016 - 8h00

Por Diego Oliveira e Karla Patriota*

“Não há nada novo debaixo do sol” (EC, 1:9), escreveu, há três mil anos atrás, o escritor do livro bíblico Eclesiastes. Depois de analisar a vida dos outros e sua própria vida, Salomão, a quem se atribui a autoria desse texto canônico, constata que não há nada de novo na terra. Por esta e outras descobertas, foi chamado de ‘sábio’.

Mas a pergunta que não quer calar é: ‘será mesmo que não existe nada de novo?’ Se Salomão estiver certo, esse passa a ser um dos grandes problemas no mercado de hoje, por conta dos seus infinitos argumentos revolucionários. Tão somente porque, na atualidade, tudo é novo, ao contrário do que preconizou Salomão. Repetimos isso à exaustão. Sentimos uma irresistível atração pelo que nos parece novo, revolucionário, sem precedentes… No entanto, se a sabedoria de Salomão realmente fizer ‘sentido’, e não existir nada de verdadeiramente ‘novo’, isso incluirá o grupo, no qual todos nós estamos inseridos, denominado de ‘consumidores’. Somos os ‘novos consumidores’, ou não?

É fato que as transformações provenientes dos contextos social, tecnológico, econômico e cultural sempre originaram diversas mudanças no comportamento dos indivíduos e, consequentemente, no seu modo de ser consumidor. Contudo, considerar que estamos diante de algo totalmente novo, talvez seja até um pouco precipitado.

De acordo com o Dicionário online de Português, o adjetivo ‘novo’ é descrito como significando algo que “existe há pouco tempo; que apareceu recentemente; que é jovem; moço; de pouca idade; que está na parte inicial de um processo, de um ciclo, de um desenvolvimento”. Ora, se consumimos, desde que o mundo é mundo, podemos realmente, na condição de consumidores, ser classificados como ‘novos’?
David Lewis e Darren Bridges, autores do livro “A alma do novo consumidor” se dedicam, na obra, a retratar o perfil do consumidor moderno, a quem chamam exatamente de ‘novo consumidor’.

De acordo com os autores, estamos diante de uma nova geração de consumidores, classificados como espécies de ‘coolhunters’, que no atual estágio evolutivo, fazem ruir todos os antigos conceitos do Marketing. Afinal, segundo Lewis e Bridges, são indivíduos muito competentes para descobrir e selecionar o que é novo e interessante, identificando igualmente as crescentes tendências e distinguindo o que é somente modismo ou mentira.

De fato, faz todo sentido a “competência” descrita pelos autores. Ativados por um bombardeio de novas tecnologias e pela crescente incorporação de informações – fruto do amplo acesso à web – os consumidores de hoje são detentores de um nível de conhecimento nunca antes visto. Isso se dá porque, ao invés de concorrência direta aos meios clássicos de comunicação, a internet, por conta do seu fluxo bidirecional, se tornou lócus privilegiado quando pensamos nas novas possibilidades de conhecimento e interação entre marca e consumidor. Bem diferente do que acontecia antes do seu advento: a internet viabilizou muito conhecimento. E conhecimento leva à emancipação. Segundo Joseph Jaffe (autor do livro O declínio da mídia de massa) um dos efeitos decisivos da emancipação dos consumidores é a sua ‘capacidade de enxergar através das fachadas que são o marketing e a publicidade’.

Nesse sentido, Salomão parece ter toda razão: não estamos diante de consumidores que podem ser, simplesmente, considerados como ‘novos’. Afinal, eles são os mesmos, só que agora estão bem mais informados e conhecedores: consequentemente se tornaram emancipados e críticos, com seus perfis em constante (re)construção.

Mas isso não é só mérito da internet (esta sim, uma perspectiva que faria o sábio Salomão ‘rever’ seus argumentos!), pois se fizermos uma breve retrospectiva no panorama brasileiro de consumo, é possível elencar alguns eventos marcantes, para além da internet, nesse processo de (re)construção dos consumidores da atualidade. São fatores que passam pelo desenvolvimento econômico, pela ascensão e maior participação da classe C na aquisição de bens e produtos, pela complexidade das atuais estruturas familiares (novos arranjos) e o próprio empoderamento feminino, em termos de carreira, renda e administração das finanças – só para citar alguns.

São múltiplos os elementos que estimulam e suscitam a nossa emancipação enquanto consumidores. Assim sendo, após diversos estudos e leituras de muitas fontes, estruturamos um quadro síntese com o comparativo entre o consumidor de ‘outrora’ (o velho) e o consumidor ‘emancipado’, este que andam chamando de ‘novo’:

Contudo, ainda há um longo caminho a ser percorrido em tal sentido. A base teórica sobre o tema está em fase de construção, ao mesmo tempo, que se torna rapidamente ultrapassada devido à velocidade de surgimento de outros dados e tendências. Não obstante, o que não podemos ignorar, é que numa sociedade de consumidores, como descrita por diversos autores como Bauman, Canclini, Slater, entre outros, consumir é fator determinante para a nossa existência enquanto indivíduos. Por isso, hoje, depois de ‘polemizar’ se temos, ou não, diante de nós ‘novos consumidores’, concluímos que o consumidor da contemporaneidade, por tudo o que tem feito, já internalizou que está verdadeiramente ‘emancipado’.

diego oliveira

Quando compara o consumidor de tempos atrás com o consumidor contemporâneo, o mercado produtor e distribuidor percebe claramente que não dispõem mais do controle sobre eles. Por isso, empresas, profissionais e estudiosos do marketing veem priorizando atitudes voltadas para o conhecimento e compreensão desse consumidor emancipado, denominado de ‘novo consumidor’ ou ‘neoconsumidor’.

 

(*) Karla Patriota é pós-doutora em Antropologia Social, professora de publicidade e propaganda da UFPE e líder do grupo de pesquisa Publicidade nas novas mídias e narrativas de consumo

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