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Opinião

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A Grande Entrevista desembaça a vidraça do telhado de quem lida com reputação


16 de abril de 2024 - 8h00

Alguns profissionais de relações públicas (RP) que eu conheço, dizem, para quem acredita, que ao morrer não vão para o Céu justamente por serem RP. A expressão remete ao fato de nós, RPs, já termos que contornar (penso que escrever “burlar” seria pesado) uma situação em benefício de um cliente. Meu telhado é de vidro. Reconheço.

A Grande Entrevista (Netflix), baseado no livro Scoops: Behind The Scenes of the BBC’s Most Shocking Interviews, da produtora da BBC, Sam McAlister, retrata a entrevista que o duque de York, príncipe Andrew, filho da rainha Elizabeth II, concedeu à jornalista Emily Maitlis, do Newsnight, sobre a sua relação de amizade com Jeffrey Epstein, acusado de crimes sexuais e tráfico de menores.

A entrevista em si é o que menos importa no longa. Uma vez que a emissora BBC é estatal do Reino Unido, logo se imagina que a monarquia tem poder sobre ela, e sim, as respostas do duque (na interpretação impecável de Rufus Sewell, que passou por uma baita transformação) são bem chapa branca. Inclusive, a realidade pode ser conferida no YouTube.

O que me fascinou foi o roteiro, fiel às escolas de jornalismo e de relações públicas, cujas experiências refletem a minha realidade. “A Grande Entrevista” nos leva a uma jornada de manipulação, conexões e mentiras. Embora o filme seja recheado de verdades. E é isso que o torna mais intrigante e interessante.

Se você é RP e lida com gestão de crise, é bem provável que se identifique com a estratégia adotada pelo personagem Jason Stein, que sugere encontros one to one com o duque para que o conheçam melhor e esqueçam uma foto dele com Epstein, publicada num tabloide britânico.

Ainda não assistiu e trabalha com reputação? Cole o olhar na personagem de Keeley Hawes, ela interpreta a secretária do duque. No final da trama, ao juntarmos as peças, percebe-se como os roteiristas foram sutis com as informações. Em como a estratégia de limpar a imagem do duque foi sendo construída, com um comitê de crise que não aparece para o expectador, mas está lá, num jogo de cena, numa fala entre os personagens. Tudo foi pensado e treinado.

Alguns colegas de profissão poderão discordar, dizer que não entendi o enredo da história, mas uma dessas sutilezas do filme é a revelação de que a secretária do duque trabalhou anos em uma instituição financeira. Quer segmento e ambiente onde as crises são mais corriqueiras?

O longa ainda tem como pilar as artimanhas dos homens que querem derrubar suas colegas quando deveriam trabalhar em equipe. Traz também as desavenças entre as mulheres no trabalho, em como precisam se unir, pois brigar não as levará a lugar algum. É sobre a mãe que encoraja a filha a buscar seu espaço, o reconhecimento profissional que a diretora do programa adota para a sua produtora – algo que ela sempre buscou.

E como não poderia deixar de ser quando se faz jornalismo com seriedade e baseado em fatos, a busca incansável por pesquisar e investigar a correlação entre o duque e o abusador. Considero um entretenimento de respeito e que nos faz olhar para a importância de planejar uma estratégia de reputação para além do óbvio.

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