Ideia sem dono

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Opinião

Ideia sem dono

Na era da cocriação, o sucesso de um projeto aumenta quando é gerado em processos que rompem fronteiras e unem equipes mais diversas, nas quais o coletivo se sobrepõe ao individual


11 de julho de 2023 - 14h00

A quantidade de nomes creditados nos trabalhos premiados em Cannes prova a dificuldade de encontrar o dono da ideia (Crédito: Shutterstock)

Houve um tempo em que as ideias criativas aplicadas pela indústria da comunicação, marketing e mídia tinham, na maioria das vezes, um dono. Uma atração televisiva, uma estratégia de divulgação, uma campanha publicitária elaborada por uma mente brilhante. Nas últimas décadas, diminuiu a devoção e o direcionamento dos aplausos ao talento isolado. Estamos na era da cocriação, em que o sucesso de um projeto aumenta quando é gerado em processos colaborativos. Também influenciado pela disrupção digital, o código da conduta criativa do mercado nunca foi tão aberto como é hoje.

A imposição do coletivo sobre o individual para melhor conexão com o público de hábitos transformados é uma das razões da manutenção da relevância de um dos formatos mais antigos da publicidade: o merchandising na televisão. Os cases recentes de sucesso comprovam o acerto do trabalho que envolve muitas cabeças e contribuições criativas de anunciantes, agências e veículos, como mostra a reportagem da editora Bárbara Sacchitiello, nas páginas 26 e 27.

O pensamento integrado tem garantido mais sofisticação ao formato para além dos desgastados testemunhais que o originaram. Com os recursos do entretenimento, abrem-se possibilidades tanto de inserção de produtos em conteúdos já consagrados pela programação televisiva, como as novelas, como de desenvolvimento de atrações customizadas para marcas específicas, como detalha Nani Freitas, CEO da Endemol Shine Brasil, na entrevista das páginas 6 e 7.

O mesmo pano de fundo da cocriação aparece em três matérias que analisam os ecos do Cannes Lions 2023. A editora Isabella Lessa aborda, nas páginas 16 e 17, uma das principais mudanças vistas no festival deste ano, realizado no mês passado. Nunca antes na história da participação nacional no evento um número tão grande de cases brasileiros premiados teve autoria atribuída a mais de uma agência. Dezenove dos 92 Leões brasileiros — ou seja, 20% — têm ideia criativa assinada por dois ou mais escritórios de uma mesma rede ou, até mesmo, por agências concorrentes.

O resultado de Cannes tem ainda outra raridade envolvendo o Brasil: um Grand Prix internacional desenvolvido para um anunciante de origem nacional. Fundada em 1972 e atualmente presente em outros 22 países, a Eurofarma foi a vencedora do prêmio principal da área de Pharma — coincidentemente, uma das duas únicas em que não houve Leões atribuídos a agências brasileiras. Na página 19, reportagem da editora Roseani Rocha detalha o projeto ganhador, o aplicativo “Scrolling Therapy”, fruto do trabalho do cliente com os escritórios da Dentsu Creative de Buenos Aires, Chicago e Nova York.

Assim como diversos outros cases premiados em Cannes, o Grand Prix de Pharma é sustentado pela produção de empresas brasileiras, mais precisamente, curitibanas, de som e imagem, o que joga holofotes sobre a atuação do setor na capital paranaense, foco da matéria da repórter Taís Farias, na página 15.

Aliás, a observação da quantidade de nomes creditados nas fichas técnicas dos trabalhos premiados em Cannes é outra prova da dificuldade de se encontrar atualmente o dono da ideia. Em algumas delas, os citados chegam a quase uma centena.

A atuação colaborativa é também a base do crescimento do mercado de influenciadores e criadores de conteúdo, cuja evolução é o foco da VidCon, evento que teve sua primeira edição brasileira aberta na sexta-feira, 7, em São Paulo, tendo Meio & Mensagem como parceiro e cuja primeira parte da cobertura está nas páginas 24 e 25.

O desenrolar de processos de cocriação nem sempre se dá sem solavancos, especialmente no marketing de influência, no qual a ideia precisa ser desenvolvida a várias mãos e contemplar o objetivo estratégico da marca, sem ferir a autenticidade do creator.

O cenário colaborativo implica em outros desafios, desde os impactos que gera nas receitas das empresas envolvidas até o freio que coloca no ego dos profissionais envolvidos, agora mais obrigados do que nunca a dividirem os créditos, os louros e os Leões.

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