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A galera dá um dedo para se meter em briga e um braço para continuar politizando, radicalizando e “hateando” por aí. Está tudo muito complicado e polemizado hoje. Todo mundo joga pedra de acordo com seu ângulo de visão, e não há mais dois ângulos de visão, e sim centenas possíveis


15 de outubro de 2018 - 15h39

Crédito: Julian Finney/Getty Images

Flushing Meadows — Nova York, 8 de setembro de 2018. Final do torneio de simples da chave feminina do US Open. Serena Williams, franco favorita, enfrenta a japonesa Naomi Osaka. De repente, um episódio simples, uma falta disciplinar que não deveria ter maiores consequências, além de uma advertência, se transforma em um ilustrativo episódio da complexidade do mundo contemporâneo, mobilizando toda uma série de discussões.

O juiz de cadeira, português, adverte Serena após ver o técnico da americana sinalizar instruções a ela, o que é proibido. A TV recupera o momento em que o treinador, de fato, pede que ela vá à rede. Não se sabe se ela viu ou não.

Resumo da ópera antes de ir aos debates: Serena quebrou raquete, brigou com o juiz, perdeu game, set e o jogo. E as polêmicas começaram.

Teria o árbitro agido com viés sexista? Serena teria sido prejudicada por ser mulher? Algumas pessoas defendem que sim, que o juiz jamais daria a mesma advertência a um jogador da chave masculina. Outros defendem que o juiz foi simplesmente rígido, totalmente dentro da regra, e que Serena não estaria imune ao regulamento.

Serena já teria ido à quadra furiosa com as censuras da organização do torneio ao seu macacão? Seria isso um tolhimento ao seu direito à liberdade de expressão? Uns, como a ex- campeã Billie Jean King, defendem que sim, e que esse mau humor desencadeou justificadamente algumas reações de Serena.

Outros defendem o direito de alguns torneios tradicionais a prezar por um traje clássico, lembrando que o próprio Gustavo Kuerten, na época adepto a vibrantes uniformes canarinhos, era pressionado a “pegar leve” ao jogar o Torneio de Wimbledon, e cedia.

Numa de suas discussões com o árbitro, Serena invocou o fato de ser mãe para comprovar que não teria trapaceado. Uns defendem que, nesse momento, Serena tenha agido de forma discriminatória, deixando transparecer que acredita que mães são mais honestas do que as mulheres que ainda não tiveram filhos.

E o fato de Serena ser afro-americana, em contraste ao árbitro, branco europeu, teria atuado de alguma forma na interpretação dos gestos do treinador?

Mais uma: teria o público presente ao estádio agido de forma xenofóbica em relação ao juiz português? Uns garantem que não, a torcida estava simplesmente a favor de Serena, merecidamente uma lenda do tênis, mulher, negra, mãe e vencedora americana. Outros defendem que, fosse um árbitro americano, homem ou mulher, a torcida neste jogo, majoritariamente local, jamais teria se manifestado tão ruidosamente contra suas decisões.

E, finalmente, teriam Serena e a plateia sido insensíveis ao maior acontecimento daquela tarde, a vitória substantiva de Naomi Osaka sobre a supercampeã, por puro mérito esportivo, desvalorizando assim um feito autêntico de uma mulher, de minoria étnica, oriunda de um país onde ser mulher tem desafios ainda maiores? Teria a plateia azedado o chope de Osaka, de forma injusta, por puro americanismo?

Para não subir no muro, vou dar minha interpretação: Serena cometeu uma falta e tomou um “amarelo”. Nada demais. Nem a falta, nem a punição foram grandes coisas. E, sim, sacanagem colocar a advertência à Serena na frente do título da japonesa.

A galera dá um dedo para se meter em briga e um braço para continuar politizando, radicalizando e “hateando” por aí. Está tudo muito complicado e polemizado hoje. Labiríntico, na verdade. Todo mundo joga pedra de acordo com seu ângulo de visão, e não há mais dois ângulos de visão, e sim centenas possíveis. De qualquer forma, um pouco de generosidade e simplicidade neste caso específico não fariam mal a ninguém.

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