Metaverso: Déjà vu?
Nesse momento, o metaverso nos ajuda em relação a diversão e, talvez, alguns tipos de aprendizado e treinamentos. Ainda é pouco retorno para justificar o investimento
Nesse momento, o metaverso nos ajuda em relação a diversão e, talvez, alguns tipos de aprendizado e treinamentos. Ainda é pouco retorno para justificar o investimento
28 de novembro de 2022 - 15h00
Não sei você, mas quando a Meta anunciou a demissão de mais de dez mil funcionários, minha sensação foi “eu já estive aqui antes”. Não na Matrix, mas em 2007, quando assisti ao lançamento, com pompa e circunstância, da “ilha” de um grande banco brasileiro no Second Life. Segundo me confidenciou o diretor de marketing, um investimento de quase meio milhão de dólares ao câmbio da época. Era apenas a ponta de um iceberg, que além de outras empresas também tinha muitos investidores, empreendedores e consultores renomados (como a McKinsey, que escreveu um alentado relatório de 150 páginas sobre as oportunidades de negócio da plataforma (https://bit.ly/3U7qKxG).
Os problemas do universo virtual da Meta têm raízes em duas entidades bem antigas do mundo real: concorrência e juros. No primeiro front, não se trata apenas de outras redes sociais, como o TikTok, competindo pelo mais escasso dos recursos, a atenção das pessoas, mas também de outros ecossistemas, como o da Apple, que dificultaram a capacidade de a empresa de Zuckerberg customizar a entrega da sua publicidade, e o da Amazon, capaz de apresentar relações mais diretas entre investimento e vendas. Ao mesmo tempo, na corrida para viabilizar um novo eixo de crescimento, a Meta investiu pesado não apenas em tecnologia, mas também em pessoas (mesmo com a demissão em massa, ela tem hoje mais funcionários do que tinha antes da pandemia), “queimando” cerca de US$ 19 bilhões na Reality Labs (a empresa responsável pela “construção” do software e hardware da iniciativa) nos últimos 18 meses.
O problema é que este gasto, combinado com a redução no crescimento da receita publicitária, levou o fluxo de caixa da empresa para zero, pela primeira vez desde 2013. Financiar uma expansão de gastos desta magnitude com juros de 1% ao ano é uma coisa; com juros de 5-6% é algo bem diferente. Para não falar da estrutura societária do Facebook, na qual Zucker berg, embora investidor minoritário, tem poderes quase “imperiais” (https://bit.ly/3GDUvD6).
Mas além destes problemas de natureza mais “conjuntural/organizacional”, existe uma questão estrutural com o metaverso: para que serve esta tecnologia?
Quando olhamos a história da evolução tecnológica desde a revolução industrial, verificamos que as inovações bem- -sucedidas (ao menos por algum tempo) foram as que de alguma forma ajudaram os indivíduos e/ou suas organizações a realizarem uma tarefa de forma mais eficiente, frequentemente associada com um aumento da velocidade de reprodução do capital (pense nas redes sociais e no retorno do investimento da publicidade online, por exemplo).
Mas exatamente quais tarefas o meta-verso nos ajuda a realizar de forma mais eficiente? Neste momento, fundamentalmente diversão e, talvez, alguns tipos específicos de aprendizado e treinamentos. Ainda é pouco retorno para justificar o investimento nas “ferramentas” necessárias para participar do mundo virtual, tanto do lado do consumidor (o headset mais barato da Reality Labs custa US$ 400) e, principalmente, das empresas, que terão que desenvolver novos softwares, processos e treinamentos para oferecer seus produtos e serviços.
Se pensarmos para além deste fim meramente “utilitário”, podemos lembrar de Heidegger, que afirmava que a outra (e mais importante) função da tecnologia era “revelar” potencialidades. Neste caso, fazendo um salto entre filosofia, psicanálise e economia, acho que neste momento o meta-verso só tem “valor” para revelar mais informações sobre nossos medos e desejos ocultos, como mais uma fonte de dados sobre o comportamento humano no mundo do big data. Entretanto, o custo para extrair estes dados ainda é enorme, principalmente diante de opções mais baratas e que já foram incorporadas pelo conhecimento organizacional na área de marketing e comunicação (você leu Todo Mundo Mente, de Seth Stephens-Davidowitz (https://amzn.to/3U04A0m).
Claro que em algum momento, diante da provável redução de custos do hardware, explorar os dados do comportamento humano através desta interface de programação (porque na sua essência é isso que o metaverso é) ficará mais barato. Mas qual a disposição dos investidores em financiar iniciativas do gênero diante de um quadro recessivo e de juros altos é uma pergunta que ninguém sabe responder. Nem mesmo tomando uma pílula vermelha.
PS – Esta é minha última coluna do ano. Depois de tudo que aconteceu de janeiro para cá no “mundo real”, não quero me arriscar a fazer um balanço faltando mais de 40 dias para o Réveillon… Obrigado pela audiência e feliz 2023!
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