Mídia revendida

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Opinião

Mídia revendida

Atuação de agências de mídia na compra de espaços nos veículos para revenda aos seus clientes, com margens de lucro, provoca controvérsia nos EUA e alerta em mercados onde a prática não está instalada, como o Brasil


14 de maio de 2024 - 14h00

As relações comerciais entre anunciantes, agências de publicidade e veículos de comunicação seguiram padrões estáveis durante décadas no mercado brasileiro. A maioria das grandes empresas seguiu o modelo no qual a agência recebe remuneração ou fee, paga pelos anunciantes pelos serviços prestados, e comissão pela intermediação da compra de mídia mais a bonificação por volume (BV), pagas pelos veículos, esta última considerando a movimentação feita por todos os clientes da agência naquele canal. A partir da chegada das plataformas globais de mídia digital e do ganho de espaço desses novos players, o cenário mudou e passou a comportar muitos novos arranjos. Entre os movimentos controversos decorrentes, estão a atuação no Brasil das agências especializadas em mídia e a divisão por muitos anunciantes de suas verbas de criação e mídia em agências diferentes.

Embora a situação incomode muitas agências full service, que seguem defendendo a maior eficácia de se manter mídia e criação sob o mesmo teto, o maior risco talvez ainda não tenha desembarcado no País, mas provoca controvérsia mundo afora. Trata-se da prática na qual o veículo de comunicação vende os seus espaços comerciais antecipadamente para as agências especializadas em mídia, que, por sua vez, revendem para seus clientes por um preço maior, com margens de lucro que variam entre 10% e 25%.

Os ganhos das redes globais com essa intermediação são significativos, segundo os balanços das grandes holdings. Analistas financeiros apontam que a mídia comprada para revenda representou 32% da receita do GroupM, a maior rede de agências de mídia do mundo, integrante da holding WPP.

Apesar de recorrente, o assunto continua incomodando. Líderes de marketing, que reclamam de não serem informados sobre o assunto pelas agências, discutiram o tema na Advertising Financial Management Conference, realizada no início do mês em Orlando, na Flórida — o que denota uma nova onda de insatisfação, que deverá motivar relatório da Association of National Advertisers (ANA), aguardado para os próximos meses.

A reclamação que reverberou no evento é a de que os preços pagos pelas agências aos veículos pelos espaços comerciais que revendem e as margens de lucro que conseguem não estão sujeitos à auditoria e não constam nos contratos mantidos com os clientes. Por outro lado, agências ouvidas pelo AdAge sustentam que estão sendo recompensadas pelo seu trabalho, por utilizarem seu poder de escala para conseguirem melhores descontos e por assumirem riscos com a compra antecipada, além de salientarem que, em última instância, o profissional de marketing sempre será o árbitro da questão, ao decidir se quer ou não comprar o espaço na mídia.

A prática da mídia revendida, que teria se iniciado com o mercado digital, com agências comprando inventário a baixo custo em massa, estaria, agora, ganhando mais terreno e envolvendo também negociações com emissoras de TV, rádio e serviços de streaming.

O direito de revender os espaços comerciais na mídia não vai parar nas mãos das agências especializadas em mídia somente pela compra direta antecipada. Alguns veículos fornecem às agências acesso a um inventário de mídia gratuito, no qual a cota da agência aumenta ou diminui dependendo do investimento que o conjunto de seus clientes fazem naquele canal. Ou seja, é o mesmo princípio do BV brasileiro, só que, em vez de dinheiro, a agência recebe espaços comerciais que pode revender.

A transformação das agências de mídia em vendedoras de mídia acrescenta complexidade em um ambiente já demasiadamente pressionado pelo avanço tecnológico e proliferação de ferramentas como as de mídia programática. O risco é o cenário nebuloso causar movimentos de retração nos anunciantes. A P&G, embora não atribua a diretriz à questão da falta de transparência das agências especializadas, decidiu internalizar a compra de mídia em mercados como os Estados Unidos e a China.

Novato nessa arena de disputa de poder entre mídia tradicional, plataformas globais, redes especializadas em mídia e agências full service, o Brasil não pode mais confiar que é uma ilha. Precisa se prevenir e procurar alternativas para que o mercado local não sofra com um leilão de quem dá menos.

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