1 de outubro de 2018 - 14h15
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No dia 23 de abril de 1985, Don Keough, o então presidente da Coca-Cola Company, veio ao púlpito do Salão Vivian Beaumont no Lincoln Center, em Nova York, para anunciar que o sabor tradicional de Coca-Cola estava de volta. Após três meses do lançamento da New Coke e milhares de cartas e telefonemas reclamando da mudança, a empresa sucumbiu ao clamor público e reintroduziu sua fórmula quase centenária. Don Keough terminou seu discurso dizendo: “Alguns críticos dirão que nós cometemos um erro de marketing. Alguns cínicos dirão que nós planejamos tudo isso. A verdade é que nós não somos tão estúpidos nem somos tão espertos.”
O mesmo pensamento se aplica à Nike e sua nova campanha comemorando os 30 anos de “Just Do It” estrelando o ex-jogador do San Francisco 49ers Colin Kaepernick. Desde seu lançamento, minhas timelines nas redes sociais foram inundadas com comentários, estatísticas e declarações de amor ou ódio eterno para a marca. Da vizinha da minha mãe lá na Praia Grande, uma senhora de 82 anos, ao presidente dos Estados Unidos, não se falou de outra coisa nos últimos dias.
As opiniões não podiam ser mais opostas. De um lado, os publicitários. Nenhum grupo declarou amor à Nike como eles. Uma histeria homérica, como há muito tempo não se via, tomou conta do mundo da propaganda. A campanha foi a redenção coletiva de todos os profissionais cansados de fazer campanhas “só para vender produtos”.
Todos, sem exceção, comemoraram a “coragem” da empresa em fazer uma campanha tão ousada. Foram intermináveis textos no LinkedIn e Facebook explicando como a visão da empresa recrutará novos consumidores e impulsionará seu crescimento. Muitos deram boas-vindas à marca que há muito parecia ter abdicado de seus princípios. Outros disseram que “correriam para as lojas para gastar tudo o que pudessem”.
Para estes fãs, o mundo ficou dividido em dois grupos: os que A-DO-RA-RAM a campanha e os que não entendem nada de comunicação. A Nike é genial, diziam. Essa campanha vai ganhar tudo no Festival de Cannes no ano que vem. Pode anotar!
Quando as avaliações começaram a aparecer, já no dia seguinte ao lançamento, muitos se surpreenderam com o que viram. A Morning Consult, uma empresa americana de pesquisas de mercado, publicou o terrível impacto da campanha na percepção da marca. De acordo com seus dados, a percepção favorável da marca Nike havia caído de 69% para 35%.
Mesmo nas três categorias de consumidores mais propensos a apoiar a posição adotada pela marca (jovens, usuários dos produtos Nike e afro-americanos), o impacto foi negativo. O resultado de intenção de compra foi parecido: havia despencado de 49% para 39%. Enfim, um desastre.
Se o trending topic do primeiro dia no Twitter era o lançamento da campanha, no segundo, ele mudou para um convite para boicotar a Nike. Muitos começaram a publicar imagens de logos cortados das roupas e tênis em chamas. Nada poderia ser pior.
A Nike não sabe o que está fazendo. Seguramente eles não avaliaram as consequências negativas dessa campanha. Acharam que o problema era racial, quando na verdade era uma questão patriótica. Kaepernick não criticou a brutalidade policial contra os afro-americanos quando se ajoelhou. Ele criticou a bandeira americana. E isso é imperdoável. Esse pessoal da Nike errou feio dessa vez, disseram os outros.
Nos dias que seguiram, estatísticas a favor e contra a campanha continuaram aparecendo por toda parte alimentando a certeza dos fãs ou dando motivo para os haters criticarem ainda mais o trabalho. O debate ainda está longe de acabar.
É difícil discordar da decisão da Nike do ponto de vista moral. Entretanto, para entender as reais implicações comerciais de curto e longo prazo para a empresa, teremos que esperar algum tempo. Só mesmo ele irá dizer se a escolha foi genial ou bestial.