O desentupidor de pia e a esperança

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Opinião

O desentupidor de pia e a esperança

Em meio ao medo, surge um sistema novo, de cooperação, conexão e solidariedade, que nos faz encontrar caminhos e descobrir a beleza da criatividade coletiva que se espalha e cria redes potentes de transformação


14 de abril de 2020 - 15h12

(Crédito: SpicyTruffel/iStock)

Em meio à overdose de informação sobre a pandemia da Covid-19, seus efeitos sociais e econômicos e a sensação de absoluta confusão que sinto, uma foto me fez gargalhar. E depois respirar aliviada com a esperança de que encontraremos um caminho. A foto era de uma mulher em uma condução com um desentupidor de pia colado ao teto do vagão onde a haste servia de apoio para que ela não tivesse que segurar nas barras de metal do coletivo. Veio junto com outras fotos engraçadas sobre as gambiarras que nós, brasileiros, fazemos para improvisar diante do cenário caótico e amedrontador de um contágio exponencial. Mas aquela foto, em particular, me chamou a atenção. Essa moça, que pertence à maior parte da população brasileira que, possivelmente por razões de fragilidade econômica, se via obrigada a seguir sua rotina de trabalho, usando o meio de transporte que é capaz de pagar, encontrou uma solução genial para lidar com essa realidade e se proteger.

Está aí o gênio humano. A criatividade capaz de encontrar soluções quando se vê diante de um problema. Que cria para transcender. Que cria para viver. Que cria para sobreviver. A criatividade que faz uso intuitivo e/ou disciplinado de conexões não óbvias para achar o novo: nas soluções tecnológicas, na arte, nos negócios, nos centros de pesquisa, na rotina do dia a dia.

E a comunicação? Ela está a serviço de problemas reais? De novas narrativas que questionam o status quo? Da busca por um mundo mais justo? Sinto que não. Sinto que há muito a comunicação perdeu a conexão com necessidades reais, problemas reais, pessoas reais.

Criamos um mundo de fantasia e acreditamos nele. Inventamos necessidades que não existiam (e não têm valor real) e buscamos fazer com que as pessoas acreditassem que o próximo milímetro de diferença em um atributo em uma categoria mais do que saturada iria mudar a vida de alguém. Aderimos a um mundo de eficiência onde a preservação do sistema é mais importante do que tudo. E isso embotou nossa comunicação. Nossos talentos. Nossas ambições.

Como o negócio da comunicação faz parte de um todo maior, vemos que, assim como esse todo maior, o nosso microssistema está ruindo. A crise climática, a desigualdade estabelecida em nível imoral e auto reprodutiva, a violência, as doenças psicossomáticas, para mencionar alguns, são efeitos notórios e cada vez mais incômodos de que nosso sistema tem um erro de desenho e precisa de um reboot.

Criamos e fomentamos ao longo do tempo um conjunto de valores e um modo de vida que promoveu uma profunda desconexão do indivíduo consigo mesmo, com suas redes de relações e afetos, com a natureza.

Tudo isso, que já estava aí e fazia parte daquele desconforto que varríamos para debaixo do tapete, foi escancarado com a chegada de um vírus. Porque diante dele e das suas consequências, sejam da epidemia ou da crise econômica e social que já se instalou, todas as nossas incoerências são expostas como vísceras. E todos estamos com medo.

Mas no meio desse medo tem surgido um sistema novo: o da cooperação, o da conexão, o da solidariedade. Porque é quase intuitivo que, se não for assim, será muito pior. E não é que, rapidamente, estamos descobrindo que nos sentimos bem colaborando, nos sentimos bem em ter mais tempo livre, nos sentimos bem trabalhando e dedicando nossa capacidade intelectual e produtiva àquilo que realmente fará diferença para os outros. E neste processo estamos mudando profundamente, como indivíduos e como sociedade. Vamos encontrando caminhos e descobrindo a beleza da criatividade coletiva que se espalha e cria redes potentes de transformação.

Num momento em que cada dia traz um novo cenário e projeções são um exercício fútil, é difícil prever o que acontecerá. Mas, eu acredito que encontraremos não apenas um, mas vários caminhos que nos tirarão desta crise e nos ajudarão a diminuir a dor desta experiência tão contundente. Tudo nascerá ali. Nas pessoas. Nas soluções criativas que daremos para encontrar alternativas. Como o genial desentupidor colado no teto do ônibus. Porque, apesar da sensação contrária que tem nos invadido neste mundo de desconfiança que ganhou espaço excessivo nos últimos anos, a colaboração criativa é da nossa natureza. É só voltarmos nossos corações e energia para ela.

**Crédito da imagem no topo: kmlmtz66/iStock

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