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Opinião

O recado do Conar sobre os limites éticos da IA

Decisão sobre a campanha da Volkswagen com a imagem de Elis Regina retoma papel da publicidade de fazer parte da cultura e pautar conversas importantes


28 de agosto de 2023 - 6h00

A esperada decisão do Conar, divulgada na semana passada, sobre a campanha da Volkswagen, criada pela AlmapBBDO, que trouxe a cantora Elis Regina – recriada por inteligência artificial (IA), cantando junto de sua filha Maria Rita -, que considerou não existir irregularidade ou qualquer infração ao código de ética por parte da agência ou do anunciante traz alguns recados importantes sobre o estado atual das coisas.

Um dos mais importantes intelectuais da área de IA, Michael Wooldridge, da Universidade de Oxford, em seu clássico Artificial intelligence: everthing you need to know about the coming IA (Inteligência artificial: tudo o que você precisa saber sobre a IA que está por vir, em tradução livre), lançado em 2021, afirma que existe um limite determinado por fenômenos não computáveis, nos quais não há um algoritmo, não há uma fórmula matemática solucionável com um programa. Em um trecho central da obra, ele comenta que os pesquisadores não prestam muita atenção ao que deveria ser de fato o foco da discussão – o de que a mente humana é repleta de fenômenos não computáveis: inteligência, intuição, criatividade, senso estético, definições de beleza, de criatividade. E pergunta: Qual é a fórmula para a beleza?

Excluindo-se toda a celeuma em torno de pontos considerados questionáveis, o que o filme da Almap trouxe para a discussão de forma magistralmente executada é exatamente esse limite. Há uma resposta criativa brilhante que se utiliza de tecnologia de IA para a reconstrução de uma situação que causou impacto e foi feita dentro das regras atualmente estabelecidas.

De acordo com o comunicado do Conar, “o colegiado considerou, por unanimidade, improcedente o questionamento de desrespeito à figura da artista, uma vez que o uso da sua imagem foi feito mediante consentimento dos herdeiros e observando que Elis aparece fazendo algo que fazia em vida”. Já no que diz respeito ao uso da IA, os conselheiros “consideraram as diversas recomendações de boas práticas existentes acerca da matéria, bem como a ausência de regulamentação específica em vigor”.

Ao arquivar a denúncia, o colegiado do Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária chamou a atenção também para o fato de que a peça publicitária explicitou de forma transparente que se utilizou do uso de ferramentas de IA para sua criação.

Recentemente, em entrevista à Folha de S. Paulo, o neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis, questionou o que considera exagero em “transformar uma ferramenta estatística em um novo Deus e construir embaixo dela toda uma religião, como está acontecendo. Eu chamo a igreja da tecnologia.” Nicolelis trabalha há 30 anos com redes neurais, mecanismo por trás dos atuais algoritmos de aprendizado de máquina. Referência em interfaces entre cérebro e máquina, atuou no desenvolvimento de neuropróteses capazes de restaurar movimentos do corpo. Durante a abertura da Copa de 2014, um cadeirante chutou a bola ao gol com o auxílio de um equipamento desenvolvido por ele.

E disse na mesma entrevista a frase que ganhou destaque: “Do ponto de vista científico, digo isso há anos, a inteligência artificial não é nem inteligente nem artificial. Não é artificial porque é criada por nós, é natural. E não é inteligente porque a inteligência é uma propriedade emergente de organismos interagindo com o ambiente e com outros organismos. É um produto do processo darwiniano de seleção natural. O algoritmo pode andar e fazer coisas, mas não são inteligentes por definição. Se estivesse vivo, Charles Darwin teria um infarto com isso”.

Navegamos em mares turvos, densos e escuros, no limiar entre os saltos quânticos que as diversas aplicações de IA podem gerar nas suas mais variadas aplicações. Para trafegar neste território de visibilidade limitada, como dirigir sob forte neblina, prudência e cautela nunca são demais. E, para mim, esta é a beleza deste julgamento do Conar. A criatividade conseguiu se destacar pelo uso eficiente de um recurso tecnológico que potencializou a mensagem e provocou reações impactantes. E seguiu as regras estabelecidas até aqui.

No início de julho, na mesma semana do lançamento da campanha da Volkswagen com Elis Regina, a cantora Madonna decidiu atualizar seu testamento, após o susto que a levou poucas semanas antes a ser intubada por conta de uma grave infecção bacteriana. A rainha do pop, que em 2023 comemora 40 anos de carreira, dividiu sua herança bilionária igualmente entre os seis filhos, a fim de evitar possíveis disputas e de quebra incluiu uma cláusula a respeito do uso de imagem após sua morte. A diva proibiu que ela seja recriada por inteligência artificial. De novo, na vanguarda, Madonna tenta assim de forma inédita estabelecer alguns limites a respeito de um futuro sobre o qual não sabemos nem temos controle, muito menos regras definidas.

É exatamente nesse zeitgeist que a campanha da Volks se movimenta, trazendo à tona uma série de discussões sobre os limites éticos do uso da IA. Ao gerar esses acalorados debates contribui para colocar a publicidade no seu papel de fazer parte da cultura e de pautar conversas importantes sobre os desafios dos nossos tempos. Função essa, aliás, que estava há tempos adormecida.

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