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Opinião

Patrocínio secreto

Para evitar que legislações como as de Nova Iorque se espalhem mundo afora, o Airbnb investe pesado em lobby, mas outra estratégia com o mesmo objetivo é também eficiente e pouco falada


21 de novembro de 2023 - 14h00

Fundado em 2007, o Airbnb mudou a cara do turismo global. Quem viaja com crianças, quem prefere o espaço de um apartamento, quem quer ter a experiência de viver – mesmo que por alguns dias – como um local, quem busca uma opção mais econômica, e muitas outras necessidades não atendidas por hotéis, virou admirador e cliente da empresa.

Outro fator propulsor do sucesso do Airbnb foi criar novas fontes de renda para seus “hosts”. Aquele quarto desocupado ou aquela casa de campo que só davam trabalho e geravam gastos, passaram a complementar a renda de muita gente. Isso sem contar todas as outras profissões – administradores de imóveis, empresas de limpeza etc. – que se beneficiaram do seu crescimento.

Em 2022, quatro milhões de “hosts” espalhados por 100 mil cidades alugando sete milhões de propriedades (ou quartos) fizeram o Airbnb faturar US$ 8,4 bilhões.

Mas todo esse sucesso incomodou muita gente. Incomodou os hotéis que viram muitos de seus clientes desaparecerem, os governos municipais que deixaram de arrecadar impostos gerados pelo turismo tradicional, e moradores dos principais centros urbanos, que viram o custo dos aluguéis de longa duração explodirem.

Nos últimos anos, muitas cidades começaram a impor restrições para a operação do Airbnb. A mais recente e radical foi Nova Iorque. Segundo as novas regras, para alugar propriedades por menos de 30 dias, os hosts têm que registrá-las na prefeitura, pagar uma taxa, não receber mais do que duas pessoas, e permanecer na propriedade durante o período de aluguel. Estas mudanças praticamente decretam o fim do Airbnb na cidade.

Para evitar que legislações como as de Nova Iorque se espalhem mundo afora, o Airbnb investe pesado em lobby com governos municipais, estaduais e federais. Mas uma outra estratégia com o mesmo objetivo – influenciar governos a deixá-los operar livremente – foi implementada há alguns anos sem que muita gente se desse conta: patrocínios esportivos.

Em 2019 o Airbnb assinou um acordo com o Comitê Olímpico Internacional (COI) para patrocinar os Jogos Olímpicos até 2028, com a promessa de tornar os Jogos “mais inclusivos, acessíveis e sustentáveis até agora”, segundo o anúncio feito no ato de assinatura.

O acordo de nove anos de duração, o primeiro grande patrocínio global do Airbnb, garantiu direitos nos Jogos Olímpicos de Tóquio em 2020 (atrasado para 2021), Pequim em 2022 (inverno), Paris em 2024 (verão), Milão/ Cortina d’Ampezzo em 2026 (inverno), e Los Angeles em 2028 (verão). As cinco cidades estão entre os maiores mercados do Airbnb.

O maior benefício deste patrocínio não são os direitos de marketing, o acesso aos atletas, ou os disputados ingressos, mas sim a proteção a leis contrárias aos interesses do Airbnb.

Isso acontece porque quando uma empresa patrocina o COI, os governos das futuras cidades-sede – entendendo que o sucesso das suas Olimpíadas dependerá também da sua colaboração com estas grandes marcas – são encorajados pelo COI a dar um tratamento mais amigável para estas empresas.

Se os governos locais destas cinco cidades-sede, alguns dos mais importantes destinos turísticos do mundo, impusessem regras como as de Nova Iorque, a empresa perderia (estimados) mais de US$ 400 milhões por ano (assumindo que estas cidades representam apenas 5% das receitas anuais). O patrocínio com custo estimado em 500 milhões de dólares “protegeu” receitas de mais de US$ 2 bilhões. Um retorno sobre o investimento que merece nosso respeito.

O patrocínio do COI é um dos mais visíveis já assinados, mas não é o único feito com o principal propósito de influenciar governos a favorecer empresas e setores da economia. Apesar de não serem evidentes, como a maioria dos patrocínios, isso pode ser visto em eventos culturais e esportivos no Brasil e no exterior.

Esta forma de patrocínio é uma das mais importantes e menos discutidas no mercado. Ela é a prova de que os benefícios dos patrocínios vão muito além da construção das marcas e acesso aos eventos. Bons profissionais de marketing esportivo podem ajudar os executivos a solucionar os problemas mais complexos dos negócios. Basta estar atento às oportunidades, como fez o Airbnb.

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