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Opinião

Quem é o anunciante e quem é o veículo?

Os próximos anos serão críticos na consolidação do mercado de varejo tradicional e, também, dos sistemas operacionais de TVs conectadas


24 de abril de 2024 - 6h00

Pense na seguinte cena: você entra em um hipermercado e logo se depara com um totem da loja. Nele assiste a vídeos de informações, anúncios de produtos, ofertas e sugestões.

Então, vai até a seção de eletroeletrônicos para ver as novidades. Percebe que a marca de SmarTV com melhor custo-benefício é uma que tem o selo do hipermercado. Você decide comprá-la.

Ao chegar em casa, depois de configurá-la, acessa a Internet, abre o aplicativo de streaming de vídeo e passa a assistir a anúncios – os mesmos que viu no totem do hipermercado, com a vantagem de poder comprar os produtos em tempo real, sentado do sofá de casa.

Parece ficção, mas já tem até nome: retail media + TV conectada (CTV), que pode ser entendida como publicidade de conversão no ponto de venda e nas SmarTVs. A mídia que o próprio varejista vende dentro das suas propriedades começa a estender-se para as CTVs.

No caso do totem é retail media off-line, no presencial. No caso de Amazon ou Mercado Livre, é retail media online, no ambiente digital. Ambas são operadas pelo próprio varejista.

Nos Estados Unidos, as personagens da hipótese levantada acima seriam Walmart e VIZIO, fabricante que está entre as líderes de SmarTVs, cujo sistema operacional de TV conectada próprio, o SmartCast, tem 18 milhões de contas ativas e mais de 500 relacionamentos diretos com anunciantes.

Em fevereiro, foi anunciada a compra da VIZIO pelo Walmart como uma forma de a varejista “criar novas oportunidades para ajudar os anunciantes a se conectarem com os clientes”. Uma sofisticação de retail media

Por sinal, este é o modal publicitário que mais cresce no mundo todo. Nos Estados Unidos, a eMarketer prevê que investimentos em retail media este ano cheguem a US$ 59,6 bilhões e atinjam US$ 109,4 bilhões em três anos.

E segundo o GroupM, a receita global de publicidade deverá subir cerca de 5% em relação a 2023, sendo que os dois canais que mais crescerão são: retail media com 15,9%; e TV conectada com 15,7%.

E se a moda pega?

Imagine que, se os varejistas tiverem seu próprio sistema operacional de TV conectada, aproveitariam duas tendências em alta: entretenimento e retail media.

No longo prazo, esta é a oportunidade para anunciantes que investem nos veículos tradicionais – como as plataformas digitais ByteDance, Google e Meta – de se tornarem veículos que disputam as verbas publicitárias.

Essa entidade híbrida, metade anunciante e metade veículo, que precisa continuar a investir em seu próprio brand awareness, poderá trocar espaço na CTV por mídia off-line. Com isso, deixará de colocar dinheiro real nos veículos e passará a fazer permutas.

Isso mudará o comissionamento de agências e impactará também no poder de entender o comportamento do consumidor. Se o varejista anuncia determinado produto – alimento, perfumaria, tênis, carro –, consegue coletar dados e conferir quem está vendendo bem. A partir daí, pode decidir ter aquele produto no portfólio.

No Brasil, há casos de varejistas que competem com fabricantes de produtos básicos, comoditizados, porque decidiram criar uma marca própria para comercializar. Essa estratégia muda o estoque, o giro de produtos, o tipo de anúncio, o mix de produtos e serviços que serão incorporados ao portfólio.

Numa galáxia não muito distante daqui…

Exercitemos a capacidade de examinar probabilidades e desenhemos um cenário em que temos uma operação nacional, semelhante à que aconteceu com Walmart e VIZIO.

Primeiro um dado: a Kantar IBOPE Media aponta que o percentual de penetração de TVs conectadas aqui no país é de 60% das pessoas. E que, mesmo havendo intersecção de acesso entre os aparelhos, a SmarTV é o principal device para consumo de vídeo digital.

Segundo dado: entre os 15 maiores anunciantes do Brasil, cinco são varejistas

Hipoteticamente, imagine que Magazine Luiza decidisse comprar a fabricante de SmarTVs VIDAA, que possui um sistema operacional inteligente. Quase de imediato, o bolo publicitário “perderia” R$ 587,6 milhões.

Demais consequências

Para além das suposições, é fato que nos Estados Unidos o principal canal de venda da SmarTV Roku (líder do mercado norte-americano) é o Walmart. Se o varejista decidir parar de vender o equipamento da marca em suas lojas, a Roku não terá aumento de base de consumidores e perderá força de distribuição de publicidade. Sem publicidade, a empresa não tem receita, porque sua margem de lucro com o hardware é zero.

Isto é tão crítico que o CFO da varejista deu uma declaração para acalmar o mercado, na qual afirmou que o Walmart continuará a vender TVs da Roku.

Esse caso exemplifica o porquê sistemas operacionais independentes possuem maiores riscos de distribuição comparados aos sistemas das Big Tech Amazon e Google ou de fabricantes tradicionais como Samsung e LG. O desafio não é pequeno para os outsiders, nem tampouco para as grandes.

Há ainda uma incógnita: varejistas tradicionais que nasceram no off-line não são empresas de tecnologia e operam com margens baixas. Fica um ponto de atenção sobre a disposição deles em manter os investimentos para aperfeiçoar e desenvolver novas funcionalidades.

Essa diferença de visão e cultura pode vir a gerar dificuldades com os profissionais tech. E, convenhamos, sem eles nenhum negócio vai adiante hoje em dia.

Os próximos anos serão críticos na consolidação do mercado de varejo tradicional e, também, dos sistemas operacionais de TVs conectadas.

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