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Opinião

Quem é você na ficha técnica?

Em tempos líquidos, ainda faz sentido separar nossos skills por área?


25 de abril de 2023 - 6h00

Futuro do trabalho

Será que ainda faz sentido separar nossas habilidades por área? (Crédito: elenabsl-shutterstock)

Recentemente, ganhamos um processo de concorrência aqui na agência. Foi um caminho divertido, de muito entrosamento e com pessoas com as mais diversas expertises e jeitos de trabalhar. Tão logo fomos anunciar a vitória, recebi a famosa mensagem: “Dani, em que área você entra na ficha técnica?”.

Faz três anos que essa resposta passou a ser complexa de colocar em um (antigo) tweet. Minha formação e carreira foram estruturadas na área de mídia, na qual participei, ao longo de mais de 15 anos, de toda a formação básica de um profissional dessa área. Fiz cursos do Marplan, do Ibope (TGI, até hoje, me dá pesadelos!), vi a mídia digital, com suas métricas certeiras, nos arrebatar nos cálculos de cobertura combinada.

Criou-se um núcleo de digital, desfez-se o núcleo de digital. Nasceram as agências de performance, tudo virou lead. De repente, o fundo do funil começou a bater no teto, e todos voltaram suas atenções para marca de novo. Mas marca também é performance, e performance é clique final, e a audiência ainda está na TV, mas ela é conectada aos nossos telefones, que, por sua vez, estão em todos os locais… Ufa! Meus colegas de mídia que ainda estão sãos têm todo o meu respeito. Nosso trabalho virou uma loucura – e sem nenhuma previsão de acalmar.

Enquanto eu tentava controlar o meu “fomo” no meio de toda essa agitação, naturalmente me vi em deslocamento para um certo “caminho do meio”. Sim, era preciso planejar os canais, e as métricas estavam todas disponíveis, mas, de repente, a matemática não era mais tão objetiva. Annie Duke, em seu belíssimo livro “Pensar em apostas: decidindo com inteligência quando não se tem todos os fatos”, parte do pressuposto de que nossas decisões deveriam se basear em partidas de pôquer, e não de xadrez.

A ideia central é simples. Diz ela: “O xadrez é uma espécie bem definida de computação. Você pode não ser capaz de descobrir as respostas, mas teoricamente deve haver uma solução, um procedimento correto, em qualquer posição”. Em contrapartida: “As decisões que tomamos (…) envolvem incerteza, risco e ocasionais enganos, elementos importantes no pôquer. O problema surge quando lidamos com as decisões da vida como se fossem decisões de xadrez”.

Se a época é de constante mudança e de possibilidade de futuro(s) infinito(s), como não começar a basear meu trabalho nas incertezas?

Esse paralelo define bem a minha sensação em relação à área de mídia ao longo dos anos. Se, antes, eu jogava um belo e estruturado xadrez, orquestrando custos e estimativas claras e sólidas de retorno, hoje a minha mão, em cada job, é uma mão de pôquer. Qualquer tiro pode sair pela culatra num primeiro vento lateral – não importa quantas vezes eu refaça a conta.

Com isso em mente, começou a fazer sentido trilhar o caminho paralelo ao conforto das métricas do mundo digital e começar a traçar uma nova linha, mais intuitiva, a favor da ideia. Se antes eu conseguia garantir um range confortável de cobertura e frequência no flight de TV, quem me garante que ele não vai chegar ao mesmo patamar com uma ação certeira com influenciadores e OOH com metade do investimento?

Afinal, as audiências de TV sobem e descem na mesma velocidade que o engajamento de um perfil de marca ou influencer. Meu dado concreto e as minhas certezas se perderam nas atualizações das redes sociais e nos lançamentos das plataformas de streaming, e a única coisa que de fato ficou foi a minha visão estratégica de comportamento de audiência. E audiência não existe sem uma ideia que a mobilize.

Momento de consumo, cross channel, jornada do consumidor, timing, intuição de dados, visão 360, ideia e linguagem nunca foram tão importantes para um bom planejador de canais. Soma-se a isso o fato de que a execução nunca foi tão desafiadora, e temos um trabalho de planejamento que demanda, acima de tudo, flexibilidade e desapego. A famosa capacidade de mudar de rota com rapidez.

E foi parando de resistir a esse processo que me vi, de repente, “flutuando” entre áreas. Existem trabalhos em que meu chapéu de mídia “tradicional” ainda é muito importante e muitos outros cujo olhar de planejadora estratégica grita mais. Há também os momentos em que os números não são os de “mídia”, mas sim os de monitoramento, e uma bela análise preditiva sobressai a qualquer CPM rentável.

Por vezes, me vejo em um trabalho de PR (tudo canal, certo?) e ele também se destaca na estratégia macro. Em inúmeras vezes, ainda me pego fazendo conta e mais conta em Excel, garantindo uma estratégia com uma boa rentabilidade de lead final. Tudo é canal, tudo é possível e, se a audiência é soberana, é para ela que eu vou olhar, com o chapéu que for. O preço disso? Não saber mais qual caixinha preencher na ficha técnica. Me parece uma troca justa.

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