Quem é você na ficha técnica?
Em tempos líquidos, ainda faz sentido separar nossos skills por área?
Em tempos líquidos, ainda faz sentido separar nossos skills por área?
Recentemente, ganhamos um processo de concorrência aqui na agência. Foi um caminho divertido, de muito entrosamento e com pessoas com as mais diversas expertises e jeitos de trabalhar. Tão logo fomos anunciar a vitória, recebi a famosa mensagem: “Dani, em que área você entra na ficha técnica?”.
Faz três anos que essa resposta passou a ser complexa de colocar em um (antigo) tweet. Minha formação e carreira foram estruturadas na área de mídia, na qual participei, ao longo de mais de 15 anos, de toda a formação básica de um profissional dessa área. Fiz cursos do Marplan, do Ibope (TGI, até hoje, me dá pesadelos!), vi a mídia digital, com suas métricas certeiras, nos arrebatar nos cálculos de cobertura combinada.
Criou-se um núcleo de digital, desfez-se o núcleo de digital. Nasceram as agências de performance, tudo virou lead. De repente, o fundo do funil começou a bater no teto, e todos voltaram suas atenções para marca de novo. Mas marca também é performance, e performance é clique final, e a audiência ainda está na TV, mas ela é conectada aos nossos telefones, que, por sua vez, estão em todos os locais… Ufa! Meus colegas de mídia que ainda estão sãos têm todo o meu respeito. Nosso trabalho virou uma loucura – e sem nenhuma previsão de acalmar.
Enquanto eu tentava controlar o meu “fomo” no meio de toda essa agitação, naturalmente me vi em deslocamento para um certo “caminho do meio”. Sim, era preciso planejar os canais, e as métricas estavam todas disponíveis, mas, de repente, a matemática não era mais tão objetiva. Annie Duke, em seu belíssimo livro “Pensar em apostas: decidindo com inteligência quando não se tem todos os fatos”, parte do pressuposto de que nossas decisões deveriam se basear em partidas de pôquer, e não de xadrez.
A ideia central é simples. Diz ela: “O xadrez é uma espécie bem definida de computação. Você pode não ser capaz de descobrir as respostas, mas teoricamente deve haver uma solução, um procedimento correto, em qualquer posição”. Em contrapartida: “As decisões que tomamos (…) envolvem incerteza, risco e ocasionais enganos, elementos importantes no pôquer. O problema surge quando lidamos com as decisões da vida como se fossem decisões de xadrez”.
Se a época é de constante mudança e de possibilidade de futuro(s) infinito(s), como não começar a basear meu trabalho nas incertezas?
Esse paralelo define bem a minha sensação em relação à área de mídia ao longo dos anos. Se, antes, eu jogava um belo e estruturado xadrez, orquestrando custos e estimativas claras e sólidas de retorno, hoje a minha mão, em cada job, é uma mão de pôquer. Qualquer tiro pode sair pela culatra num primeiro vento lateral – não importa quantas vezes eu refaça a conta.
Com isso em mente, começou a fazer sentido trilhar o caminho paralelo ao conforto das métricas do mundo digital e começar a traçar uma nova linha, mais intuitiva, a favor da ideia. Se antes eu conseguia garantir um range confortável de cobertura e frequência no flight de TV, quem me garante que ele não vai chegar ao mesmo patamar com uma ação certeira com influenciadores e OOH com metade do investimento?
Afinal, as audiências de TV sobem e descem na mesma velocidade que o engajamento de um perfil de marca ou influencer. Meu dado concreto e as minhas certezas se perderam nas atualizações das redes sociais e nos lançamentos das plataformas de streaming, e a única coisa que de fato ficou foi a minha visão estratégica de comportamento de audiência. E audiência não existe sem uma ideia que a mobilize.
Momento de consumo, cross channel, jornada do consumidor, timing, intuição de dados, visão 360, ideia e linguagem nunca foram tão importantes para um bom planejador de canais. Soma-se a isso o fato de que a execução nunca foi tão desafiadora, e temos um trabalho de planejamento que demanda, acima de tudo, flexibilidade e desapego. A famosa capacidade de mudar de rota com rapidez.
E foi parando de resistir a esse processo que me vi, de repente, “flutuando” entre áreas. Existem trabalhos em que meu chapéu de mídia “tradicional” ainda é muito importante e muitos outros cujo olhar de planejadora estratégica grita mais. Há também os momentos em que os números não são os de “mídia”, mas sim os de monitoramento, e uma bela análise preditiva sobressai a qualquer CPM rentável.
Por vezes, me vejo em um trabalho de PR (tudo canal, certo?) e ele também se destaca na estratégia macro. Em inúmeras vezes, ainda me pego fazendo conta e mais conta em Excel, garantindo uma estratégia com uma boa rentabilidade de lead final. Tudo é canal, tudo é possível e, se a audiência é soberana, é para ela que eu vou olhar, com o chapéu que for. O preço disso? Não saber mais qual caixinha preencher na ficha técnica. Me parece uma troca justa.
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