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Opinião

Reflexões do isolamento: agir no presente e pensar no futuro

Além da grande tensão, vemos novas possibilidades por trás do que estamos vivendo, já que muitas das medidas tomadas se tornarão definitivas


11 de maio de 2020 - 13h50

(Crédito: Sorbetto/ iStock)

A vida já não é como era antes, pelo menos por enquanto. Na medida em que a pandemia de Covid-19 foi se alastrando, as pessoas tiveram de adaptar seus hábitos, enquanto as marcas se depararam com o desafio de entender o seu papel em meio à crise. Diante de inúmeras incertezas, como é possível equilibrar a necessidade de não perder espaço no mercado – e na memória dos consumidores – com o cuidado de não soar oportunista ou desconectado da realidade?

A pandemia reforçou, de forma inédita, o imperativo de as marcas também serem capazes de mudar de rota em pleno voo. Algumas atuaram rápido, reconhecendo a urgência de alterar iniciativas já planejadas, assumindo sua responsabilidade como parte do coletivo. Vale dizer que algumas delas se tornaram um importante pilar de estabilidade e apoio para a manutenção de uma dose de “normalidade” no presente. O chamado imediato é de acolhimento, de união em prol do controle e da reversão da pandemia. Por isso, é preciso fugir de ações sem conexão genuína com o tema atual – o caminho é refletir, reinventar e ressignificar a razão de existir de cada posicionamento e iniciativa de comunicação.

Mais do que com consumidores, estamos falando com cidadãos, que compartilham das mesmas demandas urgentes. Por isso, é fundamental ter muita cautela para se manter relevante. Um estudo interno do Twitter feito nos Estados Unidos sobre o tom de comunicação das empresas em meio à pandemia mostra que dois terços das pessoas têm interesse em ouvir o que as marcas têm a dizer, mas 90% opinaram que elas devem rever a forma como se comunicam.

O cenário exige que as empresas deixem de lado os holofotes sobre si e readequem sua mensagem. Para manter a relevância nas plataformas sociais, devem adotar uma linguagem simples, direta e solidária, levando informações que demonstrem seu real compromisso com o interesse coletivo, destacando as atitudes que estão realizando no combate à crise.  Temos visto muitos exemplos bem sucedidos, como a adaptação de linhas de produção para itens essenciais por indústrias, a criação de conteúdos informativos nas plataformas sociais (prevenção, dicas de bem-estar e cuidados com a casa), além de iniciativas de apoio a setores fortemente impactados na economia brasileira e também a comunidades e comércios locais.

E as empresas têm colocado isso em prática. A Ambev foi uma das companhias que adaptou sua linha de produção para desenvolver álcool gel e distribuiu mais de 1 milhão de unidades em hospitais públicos. Temos visto também no Twitter bons exemplos de campanhas simples e eficazes. A Casas Bahia, por exemplo, está utilizando seu personagem “Bahianinho” para exaltar os profissionais que estão na linha de frente, além de dar dicas de prevenção. Já Natura e Avon uniram-se em uma campanha de conscientização sobre violência doméstica, questão cujo agravamento é uma triste consequência do isolamento social. E a Rappi compartilhou conteúdos sobre as medidas de segurança em seu serviço de entrega. Essa postura possibilitou que essas marcas participassem das conversas sobre o assunto e trouxessem informações relevantes para a audiência.

Se a crise motivada pela Covid-19 está tornando as marcas mais conscientes do seu papel social, o comportamento do consumidor também mudou. A busca por conteúdos tem sido um forte aliado para enfrentar esse período. Além do aumento do acesso às redes, o público está consumindo mais notícias, séries e filmes em streaming, e buscando em hobbies e atividades físicas uma importante distração para manter a saúde física e mental.

Com o distanciamento, as pessoas buscam formas de estarem juntas, passando mais tempo em aplicativos de mensagens e socializando mais com a família e amigos. Um dos formatos que vêm sendo muito consumidos pelo público é a transmissão de vídeos ao vivo – em especial aquelas comandadas por cantores, artistas e influenciadores. Ao criar conteúdo que gera conversas nas plataformas digitais e proporcionar momentos de lazer em meio a um contexto de tensão, as transmissões fortalecem o vínculo direto com a audiência. A cantora Marília Mendonça, por exemplo, conseguiu ocupar nove das 10 posições dos Trending Topics durante sua transmissão ao vivo.

Neste contexto, o entretenimento se concretiza como um canal para as marcas se conectarem com o público nas mídias sociais e irem além da conversa coletiva, compartilhando diversão com as pessoas. Diferentes celebrações estão sendo divididas nas redes, desde grandes shows de artistas até confraternizações com foco em ocasiões, como aniversários. Quem não se deparou com um conteúdo assim ultimamente? Mais do que atrair a atenção do consumidor, o entretenimento reforça a mensagem das marcas de maneira palpável.

O fenômeno do Big Brother Brasil é um grande exemplo de como estes conteúdos estão sendo consumidos intensamente por diversos meios – além da grande audiência na televisão, lidera também conversas no Twitter e em outras plataformas: desde sua estreia em 21 de janeiro até a final do reality, foram mais de 271,4 milhões de Tweets globalmente sobre o programa. Isso equivale a mais de dez vezes o número de sua edição de 2019, que totalizou 23,2 milhões de Tweets.

E não foi só a forma de consumir entretenimento que mudou – a demanda e os hábitos relacionados a produtos, serviços e informação de maneira geral também já estão se transformando. O e-commerce, o delivery e os cursos a distância, por exemplo, ganharam espaço e relevância. O foco tem sido em itens necessários, colocando os não-essenciais em segundo plano. No âmbito da saúde, a preocupação com o bem-estar físico e emocional está, naturalmente, intensificada. Com o isolamento social, há muito interesse por conteúdos que abordam dicas de como trabalhar em casa e ferramentas tecnológicas. O mesmo pode-se dizer sobre a alimentação, que está atrelada a uma sensação de conforto e, consequentemente, um mecanismo de alívio para a situação que estamos vivendo.

Essas tendências de comportamento foram reforçadas por um recente estudo da Kantar sobre os aprendizados da China após a crise do novo coronavírus, em que a maioria dos entrevistados disse que suas atitudes têm sido mais conservadoras: estão reduzindo gastos, desfrutando de prazeres instantâneos, passando mais tempo com família e amigos e focando em um mundo mais espiritualizado.

Olhando para o longo prazo, existem muitas incertezas. Mas uma coisa é certa: o mundo será diferente. A pandemia afetará profundamente a economia e as pessoas, além de exacerbar grandes desigualdades. Para alguns será muito mais difícil se recuperar do que para outros. E a hora de começar a pensar sobre essas mudanças é agora. É o momento de se perguntar como o seu papel como marca vai evoluir na vida das pessoas, o que você pode oferecer de relevante neste novo cenário e onde você tem legitimidade para atuar.

Isso nos faz refletir que toda crise traz uma nova chance, um olhar para o futuro. Um momento difícil como esse fez a empatia crescer, com consumidores e marcas dispostos a ajudar ao próximo. Além de momentos incertos e de grande tensão, vemos nascer novas possibilidades por trás de tudo o que estamos vivendo, já que muitas das medidas tomadas hoje se tornarão definitivas. E nós devemos estar atentos e trabalhando para contribuir também para além da turbulência e fazer a nossa diferença no mercado com responsabilidade e propósito, agindo no presente e pensando no futuro.

*Crédito da foto no topo: iStock 

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