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Opinião

Se eu fosse fundar uma nova agência…

Poucas coisas, no mundo dos negócios, matam mais do que a megalomania. O mercado atual exige muita proximidade, profundidade e envolvimento. Não há mais lugar para agências mastodônticas, que procuram aplicar a todos os clientes suas velhas fórmulas


23 de maio de 2016 - 11h35

Dois textos recentes, de dois amigos, me fizeram refletir sobre o mercado publicitário brasileiro. Eles vieram a calhar, uma vez que eu andava esgotado de tentar racionalizar o interminável debate político do País. A crise do mercado publicitário começou antes da crise política — e ela está longe de ter soluções simples. Mas, ao escrever sobre ela, tenho a impressão de estar pisando em terreno familiar, embora bastante movediço. Estou longe de ter, em relação à política, a mesma familiaridade que tenho com a publicidade. De forma que, no cenário caótico que vivemos, acredito que escrever sobre uma tragédia conhecida é menos excruciante do que tentar entender tragédias que parecem além da nossa compreensão.

O primeiro texto foi uma análise de fôlego, fruto de muita reflexão, muitos debates em seminários e apoiada em uma pesquisa da Fenapro. Seu autor, Pyr Marcondes, o publicou neste espaço na edição anterior do Meio & Mensagem. Ele aborda o processo de disrupção no modelo de negócios das agências e comenta os principais achados da pesquisa que listou os grandes desafios da indústria, na opinião do próprio mercado: pressão por novos modelos de remuneração; distanciamento do C-Level dos clientes; qualificação de profissionais inadequada para as demandas atuais; queda da atratividade junto a estudantes e novos talentos; baixa percepção de valor dos produtos mais preciosos da agência: inteligência, estratégia, criação e planejamento; agenciamento de mídia versus geração de ideias; juniorização (tanto no cliente, como na agência); baixa coesão do setor; imagem deteriorada; modelo de atuação desgastado; perda de protagonismo e relevância; e crise de identidade. Recomendo a leitura do
artigo do Pyr e a análise da pesquisa.

O segundo texto é mais conciso, foi escrito num tom de maior emoção e conseguiu refletir toda a sabedoria de um profissional que se estabeleceu com um dos mais admirados líderes do mercado publicitário nas últimas quatro décadas: José Eustachio, chairman da Talent Marcel. Por meio de um post no Facebook — o veículo que escolheu para compartilhar suas análises sempre sensíveis e equilibradas —, ele fez um tocante balanço de sua trajetória e da encruzilhada do mercado: “Eu vi, por uma dezena de vezes, gente dizendo que a propaganda morreu. Eu vi altos e baixos. Eu vi muita gente talentosa e querida, que ajudou a fazer esse negócio, partindo. E eu vejo muita gente talentosa, que vai fazer esse negócio continuar acontecendo, chegando.” Eu não sei se o post do Zé foi uma resposta ou um contraponto ao artigo do Pyr. Na verdade, acho que os textos se complementam, uma vez que coincidem na percepção do momento de grandes transformações e na crença de que algo novo emergirá, graças ao talento que ainda existe. E é assim que, inspirado pelos dois, me arrisco a listar o que eu faria de diferente se tivesse de abrir uma nova agência de publicidade.

Em primeiro lugar, eu jamais tentaria criar uma agência gigante. Poucas coisas, no mundo dos negócios, matam mais do que a megalomania. O mercado atual exige muita proximidade, profundidade e envolvimento. Não há mais lugar para agências mastodônticas, que procuram aplicar a todos os clientes suas velhas fórmulas: jingles, celebridades, funcionários felizes ou, melhor ainda, funcionários felizes cantando jingles ao lado de celebridades. Publicidade, para mim, nunca foi um negócio de escala. Porque talento não é um negócio de pura escala — embora possamos e devamos lutar para escalá-lo. Em segundo lugar, eu apostaria na qualidade, na visão estratégica e na experiência, em detrimento da pose. Se uma agência quer retomar o acesso aos níveis mais estratégicos dos clientes, ela precisa ter gente com mais quilometragem e conteúdo. De pouco serve a admiração do gerente de marketing millennial que aprova as campanhas. Para estabelecer uma linha direta com pessoas do comitê executivo, acredito que neurônios tendem a ser mais importantes do que barbas e tatuagens. Bill Bernbach e David Ogilvy foram dois dos mais brilhantes Mad Men da história. Mas eles usavam ternos e gravatas caretérrimos. O brilho não está na embalagem, mas nos olhos, no conteúdo.

Outro ponto fundamental: a nova agência teria como sócios pelo menos 30% dos executivos. Isso gera engajamento, atrai novas contas, cria uma cultura empresarial. Isso faz, como a Ambev ensinou, o pessoal gastar o tanque reserva em busca do melhor para os clientes. Minha nova agência também procuraria instalações mais simples e, sobretudo, baratas. Fui cliente durante a minha vida toda e preciso confessar que sempre tive dificuldade de explicar para os CEOs mais preocupados com custos (ou seja, todos) que o fato de possuírem sedes suntuosas nos edifícios mais caros dos bairros mais caros não necessariamente tornava as agências mais caras para nós. Quase todas as empresas em que trabalhei estavam localizadas
em bairros bem menos badalados do que os das agências que as atendiam. Esse dado mata de vergonha o diretor de marketing, quando ele precisa levar o CEO para uma apresentação na sede do fornecedor. E aí ele prefere não levar. E aí o CEO fica mais distante da agência. Causa e consequência, o meio é a mensagem, tudo comunica… vocês entenderam o ponto.

Outra coisa da qual minha agência abriria mão, já na largada, é o BV. Sim, o BV. Sim, o dinheiro que hoje representa a diferença entre lucro e prejuízo para a maioria das agências. Se temos de aprender a viver sem algo que até um paralelepípedo sabe que está com os dias contados, melhor que a gente aprenda logo. Além disso, o BV é, filosoficamente, a matriz de toda a corrupção que vez por outra vemos no mercado. Mesmo que nem toda agência que trabalhe com BV seja corrupta, o instrumento é degenerado por si, uma vez que estimula um possível desalinhamento de interesses das agências e seus clientes. Quanto maior o BV de um veículo, maior a tentação da agência pensar em coisas para aquele veículo. Não importa que as agências sejam ilibadas e jamais comprem uma mísera inserção de 30 segundos em TV quando havia algo melhor para ser feito com o dinheiro do cliente. É uma questão de percepção, de transparência. Se uma clínica bonificar os planos de saúde toda vez que os clientes do plano a procurarem, o que pensar dessa clínica? E, mais ainda, o que pensar da administradora do plano? O Brasil só vai deixar de ser a república da comissão quando pararmos de pagar “caixinha” por coisas que deveriam ter sido escolhidas de forma técnica e objetiva. As grandes produtoras já deram esse passo. É hora de o restante da cadeia produtiva fazer o mesmo.

Por último, eu não teria uma agência de publicidade, e sim uma agência de construção de marca e geração de negócios para os clientes. A publicidade é apenas uma das coisas que ajudam nessas questões. Ajuda muito, indiscutivelmente. Mas outras coisas — como branding, comunicação, geração de conteúdo, desenvolvimento de narrativas, relacionamento com stakeholders, etc. — também constroem marca e geram negócios. Fechar os olhos para isso, ficar dentro de uma ou de poucas caixinhas, é ter uma visão limitada ou tendenciosa do que os clientes realmente precisam. E clientes odeiam perceber que um vendedor de extintores de incêndio passa o tempo todo tentando falar de fogo. Se ele vendesse segurança, em vez de meros extintores, seria mais valorizado.

Não há nada de tão novo no que acabo de imaginar — e estou seguro de que muitos dirigentes de agências já devem ter pensado em todas essas coisas. Sobreviverão aqueles que forem capazes de um dos mais óbvios (embora mais difíceis) atos de coragem em tempos de crise: parar de pensar para começar a agir.

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