Uma equação desigual

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Opinião

Uma equação desigual

Os meios de comunicação erraram feio ao acreditar que sua audiência seria eterna


23 de março de 2023 - 12h00

(Crédito: Shutterstock)

Não há um só tradicional veículo de comunicação no planeta que comemore resultados fantásticos em operações jornalísticas puramente digitais. Ou seja, o equilíbrio das contas hoje é necessariamente fruto de um mix de receitas, que vai do que ainda rende as mídias tradicionais, uma boa dose de eventos até algumas ações periféricas que geram mais alguns recursos. Tudo junto forma uma carteira sustentável, com despesas controladas e estratégia de enorme atenção aos novos investimentos. Mas a equação da saúde digital ainda não aconteceu – salvo pouquíssimas exceções.

A publicidade digital no Brasil representa hoje entre 35 e 40% do mercado, que ainda prefere a TV. Na Espanha, onde circula apenas a metade do dinheiro em anúncios do que se investe no Brasil, digital lidera com 47% do mercado.

As plataformas digitais conquistaram o mundo, é verdade, mas quem tem motivos para brindar e consegue os melhores resultados são os intermediários, as “big techs”. Juntas, Alphabet (leia-se Google) e Meta (leia-se Facebook) faturaram cerca de US$ 300 bilhões em 2022. É mais que o PIB de países como Portugal ou Peru. Nada contra faturar alto, só que é necessário entender como funciona um intermediário no mundo das comunicações.

Um jornal impresso chega ao leitor também através de um intermediário: o jornaleiro, o entregador ou a banca. Alguém recebe um valor para cumprir a missão de viabilizar o encontro entre produtor de conteúdo (o jornal) e a audiência (leitor). Tudo certo. Só que no mundo digital a relação é diferente. As empresas de tecnologia desenvolveram enormes bancos de dados, programaram potentes algoritmos e foram conquistando a simpatia da audiência com ações “aparentemente” gratuitas. Só que não.
Google e Facebook não são produtores de conteúdo, mas precisam de conteúdo. Ou a audiência desaparece. Oferecem publicidade programática aos meios digitais, sempre que não percam o controle da distribuição e do conhecimento do cliente. E, claro, entregam uma fatia insuficiente do valor arrecadado aos veículos. Para reduzir a inevitável revolta, criam programas de apoio à atividade jornalística, distribuem modestas cotas de financiamento. E assim conseguem controlar a bronca.

Verdade que os dois gigantes foram muito competentes em criar essa situação de dependência. E os meios de comunicação erraram feio ao acreditar que sua audiência seria eterna. Não é assim. Hoje 10 entre 10 veículos contam com Google e Facebook para gerar novas audiências.

Só que um dia essa realidade vai estourar. A equação está desigual. É fácil agradar meios em dificuldade, para quem qualquer real serve de “cala-a-boca”. Mas os veículos mais importantes precisam se dar conta que programática é apenas um complemento de receita – jamais o coração da estratégia digital. Se não houver um novo acerto de números com as grandes intermediárias, talvez não valha a pena manter o serviço – que tanto atrapalha a leitura e irrita a audiência.

O algoritmo – administrado pelas big techs, de acordo com o perfil de cada pessoa – seleciona matérias que, provavelmente, agradem aquele usuário. E cria uma nova lógica de leitura, diferente daquela hierarquizada pelo veículo. Monta uma salada de textos em uma nova ordem, através de ferramentas como Discover e Showcase, e mesmo no feed do Facebook, Ou seja, em uma só tacada utiliza material de uma marca, mistura com conteúdo de outras fontes e ainda reorganiza a lógica de leitura.

E depois disso alguém vai querer vender assinaturas de seu veículo, justificar que vale a pena?
Que nada. Essa balança está desequilibrada. Não é possível assistir o harakiri em silêncio. Se a relação entre as gigantes de tecnologia e os produtores de conteúdo não mudar, os veículos correm sérios riscos de sobrevivência.

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