Opinião

Vanguarda brasileira

Além de provar a eficácia de criação e mídia, o mercado brasileiro conseguiu tirar o BV do submundo e institucionalizar planos de incentivo que reconhecem o valor para os veículos do trabalho feito pelas agências

Alexandre Zaghi Lemos

Editor-chefe do Meio & Mensagem 17 de novembro de 2025 - 6h00

Um processo movido na justiça dos Estados Unidos por um ex-executivo do WPP recoloca na agenda do mercado publicitário um tema recorrente: vantagens financeiras para as agências geradas pelo volume de compra de mídia. Richard Foster foi demitido em julho, após 17 anos no GroupM — que, em maio, sofreu rebranding e tornou-se WPP Media —, onde dirigiu a divisão Motion Entertainment, que produz e intermedia produtos como séries, reality shows e outros programas de TV.

De acordo com a holding, o corte foi parte de uma reestruturação organizacional. Foster discorda: pede indenização de US$ 100 milhões e sustenta que foi vítima de retaliação, após ter alertado internamente a possibilidade de o grupo estar envolvido em esquemas de propina e suborno. Segundo ele, o GroupM utilizava o poder de compra coletivo de seus clientes para garantir incentivos dos veículos e plataformas de mídia. Os “descontos baseados em volume” retornariam à agência em dinheiro, inventário gratuito ou descontos nas negociações de compra de mídia. Tais vantagens não seriam repassadas aos clientes.

No processo, embora não apresente documentação que comprove seu cálculo, Foster estima que, nos últimos cinco anos, os acordos de reembolso teriam gerado ao GroupM um montante de US$ 3 bilhões a US$ 4 bilhões, dos quais a agência teria retido entre US$ 1,5 bilhão e US$ 2 bilhões. O caso foi revelado, na semana passada, pela Business Insider.

Receber descontos em mídia não é ilegal nos Estados Unidos, mas há juristas que consideram que a prática pode representar quebra de contrato ou até mesmo fraude da agência nas relações com seus clientes. Entretanto, o assunto ainda é uma zona sombria no mercado norte-americano. Na última década, a Association of National Advertisers (ANA) fez críticas contundentes à prática e até contratou a consultoria K2 Intelligence, que publicou um relatório no qual alegava que negociações comerciais não transparentes estavam generalizadas nas agências de mídia.

O Brasil é o maior mercado do mundo com práticas institucionalizadas fora do padrão global que move a indústria de comunicação. Com seus métodos peculiares, o País já provou ao mundo a eficácia de tratar criação e mídia como disciplinas indissociáveis, inspirando mudanças nas grandes holdings, onde ainda seguem separadas, mas, em alguns casos, um pouco mais próximas. Além disso, o movimento setorial consolidado em 1998 com o nascimento do Cenp, atual Fórum de Autorregulamentação do Mercado Publicitário, mostrou que é possível tirar a bonificação de volume (BV) do submundo e institucionalizar os planos de incentivo que reconheçam a importância para os veículos e plataformas de mídia do trabalho feito pelas agências de publicidade.

Como se sabe, não foi uma trajetória simples e sem obstáculos — já custou a retirada da entidade, por dois anos, da Associação Brasileira de Anunciantes (ABA) e a desistência do Cenp em ser um órgão fiscalizador de contratos celebrados entre anunciantes, agências e veículos. Os planos de incentivo, embora institucionalizados, continuam sofrendo críticas e têm tratamentos diferentes a cada contrato — variando do reconhecimento ao direito das agências recebê-los até a devolução total ao anunciante. Entretanto, o simples fato de haver um fórum que reúne todos os principais elos da indústria, no qual o assunto é tratado e descrito em normas, já diminui as animosidades causadas pela prática e melhora o ambiente de negócios do mercado.

O processo movido por Foster encontra o WPP em um momento crucial, em que a holding revisou para baixo sua previsão de crescimento anual e em que tenta reverter a tendência, tendo justamente na área de mídia sua maior esperança. Na semana passada, a nova CEO global do WPP, Cindy Rose, esteve no Brasil para a inauguração do campus que passa a abrigar quase todas as empresas da holding instaladas em São Paulo. Durante sua visita, ela falou à editora Isabella Lessa, que publica nas páginas 14 e 15 trechos da entrevista, na qual a executiva reitera que o crescimento do grupo será proveniente da mídia, com soluções em retail media, commerce, social e influência; e que há uma tendência em curso de junção de criação e mídia nas grandes concorrências. Bem-vindos ao Brasil.