Opinião

Zé Carioca, Trump, Pix e China

História e o momento atual mostram o quanto o marketing e a publicidade também são importantes para as questões político-econômicas

Daniella Borges

CEO da Butterfly Growth e professora de branding e marketing na ESPM 21 de julho de 2025 - 8h00

O sonho americano não é à toa. É fruto de muito trabalho em marketing e publicidade, mas pouca gente sabe disso. Durante a Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos da América (EUA) intensificaram uma estratégia deliberada de propaganda e soft power voltada para o Brasil e outros países da América Latina, com efeitos duradouros na nossa cultura, percepção de modernidade e admiração pelos EUA.

Durante a guerra, os EUA estavam preocupados com a possível influência nazista no Cone Sul, especialmente no Brasil e na Argentina. A solução foi implementar uma guerra simbólica e ideológica: conquistar corações e mentes antes que o Eixo o fizesse. Resultado: criaram a política da “Boa Vizinhança” (Good Neighbor Policy).

Liderado por Nelson Rockefeller, o OCIAA foi um órgão criado para difundir cultura, valores e propaganda pró-EUA nos países latino-americanos. O Brasil foi um dos principais alvos. Foram investidos milhões de dólares em filmes, rádios, música, quadrinhos, desenhos animados e jornalismo.

Filmes como Saludos Amigos (1942) e The Three Caballeros (1944), com o Zé Carioca, foram criados sob encomenda para “conquistar o Brasil com afeto”. O personagem Zé Carioca foi projetado como uma forma de aproximar os brasileiros dos valores norte-americanos: samba, malandragem charmosa e tropicalidade sob controle narrativo dos EUA.

A estética americana foi intencionalmente promovida como símbolo de progresso e modernidade. Jazz, cinema, jeans, refrigerantes, eletrodomésticos e até gírias americanas se espalharam pelo Brasil nesse período.

Como resultado, a guerra consolidou uma visão em que os EUA se tornaram o padrão de avanço, e o Brasil um aprendiz em busca de modernidade.

Essa percepção persiste: muitas vezes, inconscientemente relacionamos EUA com eficiência, tecnologia, sucesso e liberdade, ainda que o cenário geopolítico hoje seja mais complexo.

O entusiasmo brasileiro pelos EUA não é espontâneo. É um produto construído de engenharia cultural de guerra, reforçado por décadas de repetição midiática e ausência de narrativas concorrentes.

E isso durou até hoje. Com a ofensiva de Trump sobre o Brasil e sobre alguns elementos que são orgulho dos brasileiros, como o Pix, a percepção dos brasileiros sobre os EUA pode mudar. E agora os EUA têm um concorrente: a China.

A China tem feito:

1. Parcerias midiáticas e conteúdo veiculado: a China fechou acordos com veículos como BandNews TV, Globo e rádios como Rádio Manchete, para veicular o programa Mundo China, geralmente apresentado com tom favorável àquele país. Agências estatais como CCTV, CRI, Xinhua e China Daily têm presença constante em meios brasileiros, incluindo conteúdos patrocinados na imprensa tradicional.

2. Formação e intercâmbio de jornalistas: programas levam jornalistas da América Latina a viagens pagas pela China, com visitas a locais estratégicos do país, resultando em reportagens positivas ao retorno. Fóruns de cooperação, como o Valor China-Brasil 2025, buscam estreitar relações com profissionais da mídia.

3. Centros de comunicação e cultura: sacadas institucionais, como a abertura de centros de comunicação na China e o Instituto Confúcio promovem idioma, cultura e imagem do país no exterior, Brasil inclusive.

4. Narrativa pró-China em diplomacia e economia: por meio da Embaixada e porta-vozes oficiais, reforçam a ideia de parceira confiável, especialmente em temas como vacinas, tecnologia 5G e comércio bilateral.

Essas ações visam remodelar a imagem da China no Brasil, fortalecer laços diplomáticos e equilibrar narrativas dominadas por países ocidentais. A China investe bilhões nesse tipo de soft power globalmente, embora ainda avalie cuidadosamente o retorno desses investimentos.

No momento, o alcance ainda é concentrado: 35–46 de 85 no índice da Freedom House indicam influência relevante, mas alcançando nichos específicos. A percepção pública ainda é mista: pesquisas apontam que aproximadamente 47% dos latino-americanos veem o governo chinês como pouco confiável, embora reconheçam oportunidades econômicas.

Em resumo, a China realmente intensificou sua propaganda pública no Brasil, mesclando conteúdo jornalístico, cultural e diplomático para reforçar uma imagem de parceiro confiável e moderno. Ainda que o alcance seja seletivo, há ganhos claros em visibilidade, narrativa favorável e soft power. Isso explica o clima mais acolhedor das elites e parte da população brasileira.
E nos mostra a importância do marketing e publicidade, também para setores de economia e política.