Boa menina
Desafiando estereótipos femininos na liderança
Desafiando estereótipos femininos na liderança
19 de março de 2024 - 7h05
Se você é mulher e nasceu antes dos anos 2000, existe uma grande chance de ter sido criada para ser uma “boa menina”. Mesmo que a sua família tenha sido muito diferente, é bem provável que a escola tenha desempenhado esse papel. Afinal, o modus operandis competitivo do modelo educacional tradicional sempre valorizou aquela que não grita, não incomoda, a que obedece sem questionar e anda sempre “arrumadinha”, seja lá o que isso signifique.
Eu não fui essa garota. Na verdade, acho que bem poucas de nós fomos. E aí vinham os conselhos: “Seja mais feminina”, “Cruze a perninha”, “Não ande desse jeito”. Em meio a tantas críticas “construtivas”, lutávamos umas contra as outras em busca de alguns elogios e quase todos vinham no estilo “princesinha do papai”. Enfim essas dicas de comportamento acabavam criando uma sensação de inadequação, um desconforto constante que foi entrando, ficando e se estabelecendo nas nossas cabeças como algo difícil de nomear e até de descrever.
Existe um dado divulgado no ano passado que me impressionou: 45% das meninas entre 11 e 17 anos abandonam o esporte, a maioria delas devido ao desconforto com o próprio corpo. Detalhando um pouco mais, é possível perceber que questões como o receio de parecer fora do padrão e de acabar com o corpo “masculinizado” estão no centro desse desconforto.
A verdade é que essa nuvem de inadequação vai muito além do esporte e nos pega especialmente desprevenidas quando vamos fazer alguma coisa pela primeira vez. Se esse sentimento nos assombrou na adolescência, no início da vida profissional (quem nunca trocou de roupa 5 minutos antes de sair para uma entrevista?), imagine quando a gente alcança a tão merecida posição de liderança.
A liderança que está no imaginário da maioria das pessoas está alinhada com conceitos bélicos, aliás, livros com estratégias de guerra são adaptados para ensinar executivos no mundo todo. E por isso mesmo ela pressupõe atitudes reconhecidas como masculinas: decisões assertivas, postura determinada, segurança e uma boa tolerância à impopularidade quando necessário. A verdade é que essas são posturas que a gente não foi incentivada a ter. Quando precisamos adotá-las, sabemos que seremos julgadas com a mais pura crueldade, muitas vezes por outras mulheres tão desacostumadas a esse lugar quanto nós mesmas.
Eu não sou nenhuma especialista, mas a “síndrome da impostora” deve ser só um entre tantos possíveis reflexos disso tudo. E como vivemos no capitalismo, e a roda precisa girar, a internet está cheia de cursos, palestras, livros, enfim, materiais mil que prometem que você vai ganhar a autoestima profissional que os homens construíram durante a vida toda em apenas 30 minutos. A gente até quer se iludir, mas no fundo sabemos que é bem mais complexo que isso.
E qual a saída? O que fazer? Não faço a menor ideia. Mas investigo, e nas minhas elucubrações só encontro duas possibilidades: ou a gente muda a maneira como nos enxergamos, e aí cada uma de nós vai ter que descobrir o próprio caminho, ou mudamos o imaginário coletivo do papel da liderança. E aí vamos ter que fazer para nós mesmas uma porção de perguntas complexas que nenhum manual é capaz de responder com honestidade. Qual é o seu objetivo como líder? Será que a gente precisa mesmo “bater na mesa” e masculinizar para liderar? Será que bater na mesa é masculinizar? Será que compreender é ser boazinha demais?
De uma coisa eu tenho certeza: a gente precisa mudar. E se no presente uma união de lideranças femininas com acolhimento e sem rivalidade é exceção, um bom começo pode ser apostar no futuro. E por isso eu acredito que o primeiro passo é sermos muito mais maleáveis com todas as crianças e deixar as nossas meninas simplesmente serem o que são. Sim, é um investimento a longo prazo, mas mudanças estruturais precisam ser longas para serem robustas. Portanto, se você tiver uma dica para aquela menina da sua família parecer mais mocinha, apenas se cale, e tente enxergar se a personalidade dela fora do “padrão” que tanto incomoda, na verdade não pode ser uma boa dica pra você no mercado de trabalho.
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