Claudia Colaferro quer as mulheres na liderança das próprias carreiras
Fundadora da AngelUs, a empreendedora deseja preparar as mulheres para se tornarem as líderes de amanhã
Claudia Colaferro quer as mulheres na liderança das próprias carreiras
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Lidia Capitani
9 de fevereiro de 2023 - 8h21
De acordo com os últimos cálculos da Fórum Econômico Mundial, serão necessários 136 anos para alcançarmos a equidade de gênero no mercado de trabalho. Após uma larga trajetória em cadeiras de C-level, sendo, muitas vezes, a única mulher entre homens chefes, Claudia Colaferro abraçou a bandeira da equidade de gênero e fez dela o seu propósito. Ela fundou a AngelUs, uma plataforma que prepara as mulheres para assumirem posições de liderança. Cercada por uma rede de 250 mulheres bem-sucedidas em diversas áreas, as chamadas “guardians”, ela oferece treinamentos, práticas de autoconhecimento e um plano de desenvolvimento para cada profissional.
E por que a plataforma é apenas para mulheres? Porque, de acordo o Global Gender Gap Report, as mulheres ocupam apenas 25% das posições de C-level. Com a missão de reverter esta situação, Claudia tem grandes planos para a AngelUs. Ela quer aumentar ainda mais sua rede de mulheres, chegando a 500 guardians. Com novos investidores e sócios, deseja ampliar a gama de serviços e produtos oferecidos na plataforma, e não é leviana para deixar os homens de fora da conversa. “Nosso papel é dar as mãos para eles. Eu cheguei aonde cheguei porque homens me puxaram. Não tive chefe mulher. Hoje, quero dar a mão para que eles também coloquem a equidade de gênero como prioridade”, destaca.
“Ser um bom líder é você receber o melhor do outro, sem pedir”, disse um colega de Claudia uma vez. Por isso, seu objetivo é construir uma liderança do futuro que seja transparente, que prega aquilo que diz, que assume as falhas, mas também os compromissos. Acima de tudo, ela quer que as mulheres se tornem líderes de suas próprias carreiras.
Claudia Colaferro é uma mulher de garra, dedicação e vontade. Vinda de uma família matriarcal, ela ressalta como a força feminina foi passada de geração em geração até chegar na dela, a quarta de uma linha de mulheres fortes. Ela queria desenhar sua própria trajetória. Claudia nasceu no interior de São Paulo, em Itapetininga, mas veio cedo para a capital ,onde conseguiu uma bolsa de estudos na Faculdade Getúlio Vargas para estudar administração.
Sua realidade era muito distante da vida que suas colegas de curso levavam. Claudia vivia numa república com cinco mulheres e um banheiro, e conseguiu um emprego de babá para um casal de franceses. “Dei meus pulos, né?”, diz. Independentemente das dificuldades, Claudia não estava ali à toa. Ela tinha um objetivo muito claro de onde queria chegar: se tornaria uma CEO de multinacional. “Para isso, fiz um plano. Porque as empresas têm, vamos dizer assim, algumas etapas que você precisa vencer até conseguir experiência. Então, você tem que ser gerente em 3 a 4 anos, diretora em 5 a 10 anos, para virar CEO em 15 a 20 anos, mais ou menos”.
Com um objetivo claro e um plano nas mãos, ela se tornou “líder” da própria carreira, como gosta de dizer. “Isso é uma coisa que eu sempre falo: você não pode ficar esperando ninguém te dar nada, você tem que saber o que quer, buscar e pedir”. Hoje, trabalhando com mulheres que buscam ascender profissionalmente, Claudia sabe como este pode ser um ponto delicado. Muitas mulheres não sabem, ou não se sentem seguras o suficiente para negociar salário ou pedir uma promoção como ela havia feito. Muitas nem sabem ao certo o que querem.
E foi assim que ela tornou o sonho realidade. Começando como trainee na Unilever, passou oito anos na empresa, onde chegou ao posto de diretora da marca Dove na América Latina. Depois, passou pela Coca-Cola Company como diretora de marketing e, em seguida, foi para a Motorola. Como executiva, foi VP na agência Isobar e na Philips, e, finalmente, virou CEO da Dentsu Aegis Incorporated na América Latina.
Hoje, em suas apresentações, Claudia conta sobre sua trajetória e mostra uma foto daquela época. A imagem do tempo em que foi CEO mostra ela como representante das Américas, cercada de homens de terno. A solidão de ser a única mulher naquele contexto foi um dos motivos que a levou a criar a AngelUs. “Não tive chefe mulher em nenhum momento dos meus 30 anos de carreira em que eu estive em multinacionais”, conta. Na cadeira de líder, ela tentou puxar mais mulheres para os postos de liderança, mas chegou a um ponto em que via mais mulheres saindo da empresa do que subindo de cargo.
“Nos Estados Unidos, a coisa é muito pior, porque não têm licença-maternidade e nenhuma ajuda financeira. Para deixar uma criança em casa ou na escola, é uma despesa extra, então não compensa financeiramente e elas desistem”, conta. Esta realidade começou a pesar sobre ela, até que virou um propósito de vida. Assim, Claudia fundou a AngelUs. “A maturidade me deu mais clareza sobre o que eu tinha de fazer para o resto da minha vida. É uma causa que, infelizmente, eu vou morrer e ainda vai existir, porque a diferença hoje é muito grande, é de 95% de homens para 5% de mulheres [ocupando cargos de liderança]”.
O nome da empresa foi inspirado no santuário das árvores Angelins da Amazônia. São quinze árvores gigantes de 80 metros de altura que existem há pelo menos quinhentos anos. “Como elas conseguiram se tornar gigantes? Elas entrelaçaram as suas raízes e se ajudaram a subir”, explica a fundadora. Pensando nesta premissa, Claudia criou a AngelUs, uma rede de 250 mulheres, com lista de espera, que chegaram no topo de suas carreiras e querem ajudar outras a subirem.
Hoje, a empreendedora se dedica integralmente ao negócio. A empresa funciona como uma escola, as mulheres pagam para serem mentoradas, e a cada dez alunas, elas concedem uma bolsa para alguma mulher que não tem condições para pagar.
Mesmo com a maturidade e a experiência profissional, Claudia ainda se sentia insegura para empreender. “Na minha época, não se falava em empreendedorismo. A inflação era cavalar, né? Não existia uma estabilidade. Não vim de uma família que tinha um negócio, então, para mim, eu precisava ter um emprego bacana e fui atrás disso. Para virar empreendedora e ter instabilidade financeira, principalmente para quem sabe o que é ter que correr atrás do dinheiro para pagar a conta do mês, dá medo, sim. Dá um frio na barriga”, relata.
Para além da insegurança quanto à estabilidade financeira, ela também relata que se sentir só é outro sentimento constante como empreendedora. “É uma solidão também profissional, de não estar segura das decisões que você está tomando e tem que tomar, porque é você a dona do barraco”, conta. Ela diz que, enquanto numa empresa você pode contar com a expertise de outras pessoas para os assuntos que não domina, o empreendedor tem que pedir ajuda para alguém de fora.
Uma pesquisa da Opinion Box destaca que mais de 1 em cada 3 mulheres tem objetivos profissionais claros, mas muitas têm dificuldades em colocá-los em ação. “Primeiro que elas não sabem no que são boas, e no que não são”, explica Claudia. Um segundo ponto, como destaca a empreendedora, é que as mulheres não se colocam como prioridade. “Todos da família vêm antes de nós. Então, não colocamos nosso projeto numa folha para definir onde queremos chegar, no que temos de melhorar, o que precisamos aprender e desaprender.”
Por essas razões, ela diz, as mulheres não são boas gerentes de suas próprias vidas profissionais, e esse é o maior desafio para aquelas que querem ascender. “Então, a primeira pergunta que faço quando converso com as clientes no primeiro encontro é: você sabe o que veio fazer aqui? Porque se não tem ideia, vamos descobrir”. Após chegar ao propósito de cada uma, é preciso entender quais funções fazem sentido. A partir de então elas elencam quais as ferramentas e habilidades que cada uma precisa aprender e dominar.
“A Claudia é uma pessoa simples, alegre, que ama o que faz, apaixonada pela vida. Não quero morrer, não. Quero viver até 150 anos se a medicina puder me ajudar. Mãe de dois adultos, a Carolina, de 24, e o Henrique ,com 21. Casada com Fábio há 30 anos, vários casamentos em um só e que tem o apoio enorme dessa família”, descreve a empreendedora.
Sobre o seu grande sucesso, ela responde: “É nunca estar pronta”. Ser esse “projeto em construção” permite ter humildade para aprender sempre e olhar o outro de frente. O que não quer dizer que ela não valoriza tudo o que construiu. Mas, estar neste lugar permite que ela esteja sempre em movimento, nunca estagnada. Já sobre o fracasso, ela confessa que às vezes perde a paciência.
“A Cláudia é uma pessoa que tem opinião. A questão de gênero é uma bandeira que eu carrego, e o meu interlocutor normalmente é homem, porque 95% dos líderes são. Então, tenho que ajudá-los a entender o lugar que a gente ocupa, que é da minoria. Por isso, às vezes, eu me canso, fico sem paciência, sabe? Isso me atrapalha.”
Apesar disso, ela sabe que a pauta da equidade não é óbvia para todo mundo, “se fosse, o mundo não estaria do jeito que está”, diz. Por isso, ela preza pela transparência e pela humildade ao assumir suas falhas.
“A minha bandeira é a de gênero. Nisso eu não posso pisar na bola. Agora, se você me perguntar se eu tenho equidade racial na plataforma, não tenho, mas estou em busca. É um compromisso meu. Então, as empresas precisam assumir esse lugar de ‘eu não tenho ainda’. Porque a gente precisa ser mais honesto com as nossas entregas para esse futuro que já chegou. Você vai ser cobrado hoje, amanhã e o tempo inteiro. O mundo está assim, exigindo que as pessoas deem a cara a tapa”.
Ainda assim, ela se diz uma pessoa que não tem problemas reais. “Temos problemas imaginários, e o nosso desafio é não entrar nesse lugar. Olha para o lado. Vê a realidade aí fora e vive essa tentativa de mudar. Eu, Claudia, vivo nessa tentativa”.
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