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Opinião

Nunca será só futebol

Ainda que estejamos digerindo esse gosto amargo da derrota na Copa, que levemos os bons exemplos dentro e fora de campo


12 de dezembro de 2022 - 8h52

O filho de Persic, jogador da Croácia, entrou em campo para celebrar a classificação da Croácia com o pai, mas viu Neymar chorando e correu para abraçá-lo. O jogador marroquino Soufiane Boufal dançou em campo com a sua mãe após vencerem Portugal e conquistarem a classificação (Crédito: Reprodução/Twitter)

Eu tinha escrito um texto totalmente diferente para essa coluna. Confesso que estava esperando a vitória do Brasil na última sexta-feira para publicá-lo, pois eu falava muito da alegria do futebol para o brasileiro. Resolvi, então, reescrevê-lo, com outro viés. 

Se você não vive em Marte, e ainda que acompanhe futebol o mínimo possível, deve ter notado que essa Copa do Mundo está diferente. Confesso que, pessoalmente, assim como muitos, ainda estou digerindo a derrota da nossa seleção. Fosse por uma esperança boba de quem vai fazer aniversário no meio de dezembro e tinha o sonho, em uma raríssima oportunidade, de comemorar esse dia com a conquista da Copa do Mundo – já que o Mundial sempre acontece em julho e mudou de data para ser viável no Catar, pois no período as temperaturas batem os 50 graus. Ou então pelo meu filho mais velho, que chegando aos seus 6 anos de idade, viu sua primeira Copa do Mundo de forma engajada e estava amando esse clima que só acontece de quatro em quatro anos. Ou, ainda, por acreditar que esse título traria um clima de união a um país tão dividido pelo cenário político desse ano. Razões sem dúvidas não faltam. E posso ainda citar o aspecto de que a seleção era de fato uma das favoritas, com um time entrosado e com talentos e um coletivo como há muito tempo não víamos. 

Mas não deu. Claro que, em todas as Copas, temos com a esperança do Brasil ser campeão, pelo lado torcedor apaixonado, que muitas vezes fala mais alto que o lado racional, pelo peso da camisa brasileira e pelo fato de sermos os únicos pentacampeões do mundo. Tem copa que queremos ganhar, tem copa que precisamos ganhar e tem copa que merecemos ganhar. Nessa, eram os 3. O que torna ainda mais difícil de digerir a eliminação da seleção. 

Desabafos feitos pela doída derrota, trago aqui a reflexão que me fez dar o título dessa coluna. Nunca será só futebol. O esporte em geral tem esse poder de encantar, divertir, atrair e criar ídolos. Mas, no futebol, isso se torna infinitamente maior. Vou te dar um exemplo. Há tempos eu falo do Richarlison e do cara incrível que ele é. Um talento do futebol e uma figura extremamente carismática. Richarlison é um garoto de 25 anos, que começou a sua carreira no América Mineiro, jogou no Fluminense, e depois de apenas 2 anos de atuação no futebol brasileiro, mudou-se para Inglaterra. O que o fez ficar um pouco mais distante da torcida brasileira. E que nessa Copa, pôde mostrar a todos coisas muito além do seu talento em campo, quem ele realmente é. 

O ponto de citar esse exemplo, e do título da coluna, é mostrar como o esporte tem esse poder de unir e transformar cenários e realidades. Se você tem filhos entre 6 e 15 anos, provavelmente viveu a tristeza de vê-los chorando e ter que consolá-los depois da derrota da seleção. Assim como os viu vibrar de alegria na vitória impecável de 4×1 sobre a Coréia do Sul. E, o principal: você que está aqui lendo, certamente torceu muito. Ainda que não seja uma audiência assídua do futebol em suas temporadas regulares, na Copa do Mundo, o clima é muito diferente. 

E, ainda sobre o “nunca será só futebol”, essa Copa veio cheia de surpresas e nos presenteou com imagens incríveis e momentos históricos. Seja pela campanha histórica e sensacional da equipe de Marrocos, o primeiro time africano a se classificar para uma semifinal de Copa do Mundo. E que nos rendeu imagens belíssimas dos jogadores com suas famílias, incluindo a do jogador marroquino Soufiane Boufal dançando em campo com a sua mãe após vencerem Portugal e conquistarem a classificação. Ou pelo filho de Persic, jogador da Croácia, que do alto dos seus 10 anos entrou em campo para celebrar a classificação da Croácia com o pai, mas viu Neymar chorando e correu em direção a ele para abraçá-lo. 

Esses são só dois dos lindos exemplos da capacidade do futebol de criar ídolos e figuras a serem admiradas. Se as conquistas em campo às vezes nos decepcionam, o ambiente que o futebol cria e mostra principalmente para as crianças é impressionante. E como é tão rico e contagiante ver homens, mulheres, idosos, crianças e visões tão diferentes unidos pelo mesmo interesse: torcer pela seleção. 

Essa Copa trouxe ainda uma riqueza de detalhes que fizeram dela uma edição histórica além das 4 linhas e de suas zebras. Pela primeira vez, tivemos um trio de arbitragem feminina apitando uma partida de Copa do Mundo masculina. Pela primeira vez no Brasil, também, tivemos uma mulher narrando os jogos de Copa do Mundo em TV aberta. Pela primeira vez, vimosuma comentarista mulher comentando os jogos ao lado da lenda que é o Galvão Bueno. Pela primeira vez, tivemos um número recorde de jornalistas mulheres fazendo a cobertura in loco de uma Copa do Mundo. Citei as crianças, e vejam quantos exemplos positivos para elas. Falei do meu filho de 6 anos. Para ele, nunca será estranho ouvir uma mulher narrando um jogo de futebol. Ele viveu isso desde a sua primeira Copa do Mundo. E, muito menos, vai desprezar comentários de uma mulher pelo simples fato de ser uma mulher. Ou achar estranho uma árbitra mulher em um jogo masculino. Para ele, que está começando a acompanhar o futebol, esse cenário já será absolutamente normal.

Claro que nem tudo são flores e podemos, sim, questionar a escolha da sede da Copa por conta de sua cultura e posicionamento em relação às mulheres, a pessoas que não sejam heterossexuais, entre outros. Esse é o aspecto mais obscuro do Catar. Mas mesmo sobre ele, em diferentes conversas tenho tentado trazer um olhar diferente. Como é interessante ver países com uma cultura tão diferente da nossa, e como é bom perceber que vivemos em um ambiente que, embora precise de muitas melhoras, temos muito mais liberdade e voz, e podemos de fato trabalhar por uma sociedade mais justa, sem medo do que nos cerca. É claro que temos um longo caminho pela frente e a ideia aqui não é entrar a fundo nesse aspecto, mas sim trazer um lado positivo diante de tantos questionamentos sobre uma sociedade tão diferente. 

Se a escolha do país-sede da Copa também trouxe tantas discussões, voltamos mais uma vez ao ponto: nunca será só futebol. 

E, se você, assim como eu, ainda não processou a eliminação do Brasil, quero te fazer um convite mais do que especial. Em 2023, teremos outra Copa do Mundo. Dessa vez, a feminina. Nossas meninas vão em busca de um título inédito, o primeiro da seleção, que já revelou tantos talentos, mas nunca chegou a essa conquista. E que, falando em lendas, será a Copa de despedida da maior lenda do futebol feminino. Marta irá disputar sua última Copa do Mundo em busca do único título que falta em sua extensa galeria. De 20 de julho a 20 de agosto, teremos mais um motivo para acreditar na nossa seleção.  

Por isso, ainda que estejamos digerindo esse gosto amargo da derrota, que levemos os bons exemplos dentro e fora de campo. O esporte, e principalmente o futebol, têm esse poder e essa magia. De nos fazer acreditar e de criar ídolos. De nos emocionar. De nos fazer vibrar de alegria em uma segunda-feira e de nos fazer chorar quatro dias depois. Eu, como uma torcedora apaixonada, sigo acreditando. E querendo cada vez mais vibrar pelo esporte brasileiro. Sigo na torcida, acreditando sempre. Faltam 252 dias para celebrarmos o título inédito da seleção feminina em copas do Mundo. E 1.300 dias para o Hexa da seleção masculina. 

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