Quantos desertos temos que atravessar para “chegar lá”?
Liderar, para nós, ainda é resistir, insistir e abrir cadeiras para que outras sentem também

(Crédito: Shutterstock)
Às vezes, liderar é abrir caminho no escuro. Como mulher, mãe, fundadora e CEO, aprendi que ocupar espaços de decisão é mais sobre insistir em existir num lugar que quase nunca foi pensado para você. Não estou falando de gestão, e sim o de sermos tomadoras de decisão, atuando em cargos de CEO, C-level, diretoria e gerência executiva.
Apesar dos avanços – lentos – nas políticas de diversidade e inclusão dentro das empresas, na prática, os números ainda são pouco expressivos: apenas 35% dos cargos de alta liderança no Brasil são ocupados por mulheres, segundo um levantamento da Diversitera, que ouviu 90 mil respondentes em 70 empresas de 17 setores diferentes.
Trazendo o olhar para o setor musical, pelo qual sou apaixonada e atuo como CEO da MugShot, os números revelam nitidamente a exclusão de mulheres em tomadas de decisões nas gravadoras e produtoras. Tenho acompanhado o trabalho da pesquisadora Thabata Lima Arruda sobre festivais de música no Brasil e podemos observar que a representatividade feminina ainda é muito pequena, considerando a ausência de mulheres em bandas, equipes, bastidores e na gestão de projetos.
Dados da pesquisa de Thabata mostram que, em 2016, apenas 11% dos atos musicais nos festivais eram compostos exclusivamente por mulheres. Esse número chegou a 35,6% em 2024, com um pico de 40,9% em 2023. Olhar o line-up de um festival e não ver nenhuma mulher no palco, na ficha técnica ou em cargos de decisão é entender que o mercado ainda escolhe quem pode aparecer e quem deve continuar invisível.
Recentemente, também assisti ao painel da Serena Williams, no Festival Cannes Lions, na França, sobre inovação de impacto e, entre as diversas reflexões importantíssimas que ela trouxe, me chamou a atenção a frase: “Se quisermos um ecossistema de inovação mais justo e funcional, precisamos mudar quem tem o poder de decisão, quem assina os cheques, quem direciona os investimentos”. No centro dessa mudança estão as mulheres, especialmente as mulheres negras e periféricas que, apesar de tantas barreiras, continuam criando soluções consistentes para problemas urgentes e reais.
Ao longo da minha trajetória como empresária, liderando três empresas, pude notar o impacto negativo gerado pela falta de mulheres com o poder de decisão. Acredito na importância da representatividade, diversidade e igualdade nos negócios e nos conteúdos que produzo nas diferentes frentes do meu trabalho.
Com isso, trabalho incansavelmente para inspirar e criar oportunidades para que cada vez mais mulheres também possam ocupar cadeiras de liderança, seja nas minhas equipes, nas sugestões de projetos com empresas parceiras ou no Instituto Conselheira 101, iniciativa dedicada a promover a ascensão de mulheres negras e indígenas em posições de alta liderança e governança corporativa, do qual utilizo o meu conhecimento, experiência e acessos para promover o crescimento profissional e pessoal de grupos de mulheres e pessoas pretas.
A reflexão que precisamos é: quantos desertos temos que atravessar diariamente para chegar lá? Liderar, para nós, ainda é resistir, insistir e abrir cadeiras para que outras sentem também.
Porque chegar lá sozinha não é vitória, é solidão. Vitória mesmo é criar movimento.