Ingredientes de um “resultado esperado”
Por que experiência, talento, repertório e tempo ainda serão importantes para a indústria criativa no futuro

(Crédito: Smallroombigdream/Shutterstock)
Cenário: sala de reunião da F/Nazca. Quando: 2005 ou 2006. Um cliente importante me ligou e disse que estava indo pra agência, pois tinha um job urgente a resolver. Antes de envolver outras pessoas, quis entender a demanda.
Ele chegou e disse que deveríamos produzir um texto curto e contundente para seu site de produtos (este era o grande canal proprietário das marcas naquela época), de maneira a deixar “vacinada” para uma determinada questão que poderia vir a emergir entre seus consumidores. Ele chegou com a expectativa de publicar no mesmo dia.
Ouvi tudo com atenção para em seguida começar a falar. Refleti a circunstância, o momento de mercado, estressei os porquês do problema, correlacionei com o posicionamento da marca, abordei possíveis riscos daquela comunicação etc. Ansioso em resolver o problema, ele me interrompeu abruptamente: “Gal, você está falando demais. Chame logo um redator, e vamos logo com isso”.
Respirei e respondi: “Como temos pouco tempo para publicar o texto, preciso gastar muito tempo agora”. Ele deu uma bufada, mas depois entendeu o que eu estava falando. O “isso” já estava em andamento, mas ele ainda não tinha sacado.
Com tantos anos de profissão, por que será que nunca esqueci desse episódio? Primeiro, acho que foi porque uma pessoa da minha equipe achou bacana. Depois que o cliente foi embora, comentou comigo: “achei legal isso de ‘não tenho tempo, então preciso usá-lo’”.
Segundo, porque, intimamente, veio à minha cabeça naquela hora: “os clientes realmente acham que a gente aperta um botão e as coisas acontecem. Agora ele está vendo o trabalho que dá fazer uma comunicação bem feita e com consequências boas e duradouras”. Um sentimento tipo “ele está tendo a oportunidade de ver que nosso trabalho exige tempo, pensamento, conhecimento, embasamento e talento para ter o resultado esperado”.
Vejam: “o resultado esperado”. Estou falando da comunicação de uma marca. É esperado um resultado. Mesmo quando transpomos isso para a era das redes sociais, isso não muda. É bem diferente do sucesso instantâneo da publicação que uma pessoa pode alcançar no Tik Tok, sem compromissos com um determinado resultado.
Se uma graça na internet vai render milhões de views e muitos likes de maneira totalmente inesperada para esta pessoa, maravilha. Se esta mesma graça render menos likes, ok. Ninguém vai morrer por isso. Mas se um produtor de conteúdo está contratado por uma marca, existe um resultado esperado.
De que adiantava tirar um redator da pauta da criação pra colocar naquela sala antes daquele debate? A criação esperava de mim um briefing bem feito, a agência esperava de mim competência para ajudar na mitigação de eventuais riscos para um problema do cliente que a comunicação poderia ajudar a resolver. Mas isto é outra história. Toda essa introdução é pra falar sobre inteligência artificial. De novo? Sim, é assunto novo e que interessa a todo mundo. Nada posso fazer em relação a isso.
Como vocês veem, certas coisas não mudam, apenas se transformam. Toda a minha fala naquela reunião dos anos 2000 era igual ao preenchimento de um prompt hoje.
Investir tempo na redação do prompt de inteligência artificial com as coisas certas é fundamental para determinar a qualidade do que a ferramenta vai entregar: a clareza, relevância e precisão das respostas geradas pela IA. Antes que digam que estou colocando a IA no lugar do redator, não é nada disso. O redator, se quiser, pode usar IA. Ou não.
Eu posso usar IA para levantar dados que enriqueçam meu briefing e minha visão num cenário muito mais complexo em termos de competitividade, em tempos de super velocidade no espalhamento de uma crise, de necessidade de rapidez para agir no contingenciamento da crise, para levantar benchmarks no Brasil e no mundo, para levantar como as pessoas se relacionam com aquela categoria e whatever. Vejam: o que eu quiser para tornar meu briefing mais rico, mais claro e mais embasado.
O mundo de hoje é muito diferente de 2005 ou 2006, onde eu levaria horas ou até dias para levantar todas estas coisas acima. Mas, minha experiência já me levava a indicar quais contornos eu deveria dar àquele briefing para que a peça criada trouxesse um resultado esperado.
Já pensou uma pessoa preguiçosa ou despreparada pedindo a um prompt de IA pra resolver um caso de prevenção de crise para um cliente? Sei lá… acho que uma coisa qualquer até pode dar um milhão de comentários. Mas, isso não é o dado que interessa. O que interessa é quanto deste milhão de comentários entregou o “resultado esperado”.
Para concluir, gostaria de lembrar o seguinte: hoje, em 2025, as ferramentas de IA para disciplinas da indústria criativa como desenhos, ilustrações, vídeos, textos, layouts ainda apresentam muitos problemas, o que torna a tarefa de usá-las muito trabalhosa e provavelmente insatisfatória para muitos usuários.
Com o tempo, isso vai melhorar. Só uma coisa não vai mudar: “garbage in, garbage out”. Até mesmo as I.A.s desenvolvidas para gerar prompts precisarão ser aprovadas por alguém. Tanto o prompt como o resultado do seu trabalho.