Opinião

Sobre mentoras e mentoradas

O verdadeiro mentor é aquele que também erra (e por isso aprende), tem suas fraquezas e vulnerabilidades, mas consegue fazer o melhor de sua vivência

Rita Almeida

Head de estratégia na AlmapBBDO 8 de julho de 2025 - 11h08

Dumbledore e Harry Potter

Os personagens Dumbledore e Harry Potter em adaptação dos livros para o cinema, interpretados pelos atores Michael Gambon e Daniel Radcliffe (Crédito: Reprodução)

Nos últimos tempos, tenho refletido muito sobre a necessidade de quem é mentora também ser mentorada. Na medida do possível, tenho me empenhado em abrir a agenda e ouvir pessoas que me procuram para mentoria. Sempre me envolvo, aprendo bastante com e sobre os profissionais que vêm vindo por aí e acabo virando uma torcedora de cada um deles. Mas recentemente senti que precisava também falar e ser ouvida.  Aprender e me rever. Evoluir e crescer, com inspiração e orientação. Assim, me conscientizei o quanto nossos próprios amigos podem nos ajudar nesse caminho.

Eu me lembro de uma conversa com o Rony Rodrigues, um dos fundadores da Box1824. Queria ouvir sobre a sua jornada à frente dessa consultoria tão bem-sucedida, acreditando que saber a sua história poderia me inspirar demais, agora que estou na liderança do Lab Humanidades, da AlmapBBDO. Ele foi de uma generosidade impressionante e isso nos deixou ainda mais amigos. Nos aproximou. Reconhecer as vitórias dos “concorrentes” é algo que tem o poder de transformá-los em amigos.

Também convivo com algumas mentoras com quem troco questões da posição feminina no mercado corporativo. Embora sejam minhas amigas e a gente converse sobre a vida, de quando em quando temos questões objetivas que quero e preciso escutá-las. Tenho mentoras da vida inteira como a Camilla Massari, Marlene Bregman, Simone Campos (minha amiga psicóloga), minha irmã Ivana Almeida, a Mariane Maciel, a Regina Augusto, entre diversas outras. Elas são mulheres nas quais eu me espelho, que me conhecem muito e respeitam minhas vulnerabilidades e potencialidades. Precisamos de amigas sinceras que nos segurem na mão e nos empurrem para frente. Mulheres cujas histórias já são, em si, uma mentoria.

Algumas são bem jovens, como minha filha Gabriela, minha nora Anna Luiza, minhas enteadas Shantal e Raira e minha parceira de trabalho Anne Liz. A Gabriela me lembra o tempo todo que precisamos ponderar, dialogar e entender o contexto maior. A Anna Luiza me mostra que a força, a necessidade e a paixão são nossos motores. A Shantal me inspira a juntar ideias, carisma e business para criar algo grande e relevante todos os dias. A Raira me mostra o quanto importa a capacidade de pensar e realizar rápido, tornando as ferramentas mais comuns em métodos e criatividade transformadora. A Anne Liz, minha parceira de todas as horas no Lab Humanidades, me proporciona o melhor laboratório vivo e o quanto pode ser rica a troca intergeracional. Eu sou muito iluminada e agradecida por ter essas mulheres por perto.

A existência dessas pessoas admiradas me traz a consciência do quanto um mentor precisa, também, de tempos em tempos, ser ouvido e estimulado a evoluir e imaginar o futuro. E isso me fez pensar que o papel do mentor foi mudando ao longo do tempo.

Anteriormente, o mestre, mentor e conselheiro eram figuras colocadas em uma posição superior, de onde usavam sua sabedoria para inspirar e orientar seus alunos, seguidores e admiradores. A imagem é a da barba branca e da túnica longa. É o caso do Dumbledore, o mentor da saga Harry Potter. Nos primeiros livros e filmes, Dumbledore é apresentado como o diretor de Hogwarts, o mago mais respeitado do mundo bruxo. Ele parece onisciente, sempre calmo, fala por metáforas, e todos o temem ou reverenciam. Ele representa a autoridade máxima, um farol moral para Harry e seus amigos. Alvo Dumbledore encarna o arquétipo clássico do mentor: sábio, sereno, enigmático. Ele parece ter sempre as respostas e comanda os destinos com autoridade silenciosa.

Mas, à medida que a história avança, descobrimos seu lado oculto: um passado marcado por ambição, culpa e falhas humanas. Quando jovem, Dumbledore se deixou seduzir por ideias perigosas ao lado de Grindelwald, um bruxo poderoso e carismático. Acreditando em um plano de dominação “para o bem maior”, ele quase seguiu um caminho sombrio – até que um duelo resultou na morte da sua própria irmã, Ariana. Essa tragédia o transformou profundamente. Mesmo adulto, já consagrado como líder, Dumbledore continua errando: guarda segredos de Harry, manipula situações com frieza e esconde partes dolorosas da própria história. Apenas após sua morte que conhecemos sua verdade e compreendemos que sua grandeza vem, justamente, do que ele aprendeu com seus erros.

Simbolicamente, Alvo Dumbledore começa como o mentor clássico e termina como o verdadeiro mentor: aquele que também erra (e por isso aprende), tem suas fraquezas e vulnerabilidades, mas consegue fazer o melhor de sua vivência a ponto de se tornar um mestre e eterno aprendiz. Não é ser infalível que faz um bom mentor, mas a consciência de suas sombras ou o peso de seus aprendizados. Como Dumbledore, um mentor pode ter sido arrogante, equivocado, ter cometido erros e ainda assim se tornar alguém melhor, mais ético e mais potente, justamente por reconhecer sua humanidade.

Por isso, mentores humanos e cientes de sua necessidade de evolução (tanto quanto seus mentorados) não renunciam às suas próprias mentorias formais ou informais. Geralmente um mentor já se relaciona com outros mentores possíveis, e essa é uma grande oportunidade de aprendizado e renovação. Mas dentro dos novos parâmetros de mentoria, aquela que inspira e ensina com foco na construção de relacionamentos, no crescimento mútuo e na importância de cultivar o potencial do outro. Ela não forma clones, mas constrói pensadores, estimula perguntas transformadoras. Assim os conhecimentos e aprendizados se misturam, se fortalecem, se completam, enquanto grandes legados são construídos e compartilhados.