Livros para fugir dos algoritmos
O que li nos últimos meses que me convidou a refletir sobre o que eu não pensaria no modo automático

(Crédito: Unsplash)
Sei que sou suspeita. Como sócia de uma pequena livraria, é natural que eu seja uma defensora dos livros como semeadores de novas ideias e perspectivas outras, e dispositivos contra a aridez de uma cultura homogênea e autorreferente.
Mas também como profissional de comunicação, vejo a importância deles para furar as bolhas de opinião em que frequentemente nos vemos reféns.
Para resistir aos algoritmos que nos alimentam cada vez mais de conteúdos que já conhecemos e gostamos, ao invés de visões que nos desafiam e fazem repensar nossas verdades. Para construir pensamento crítico, tão importante no desenvolvimento de estratégias que ressoem com as pessoas. Para ir ao encontro de tensões culturais que alimentam plataformas de marcas duradouras.
Já escrevi nesta coluna sobre marcas nas redes sociais, inspirada pelo livro “Doppelganger”, sobre a associação entre criatividade e instabilidade mental, inspirada pelo “Perigo de estar lúcida”, e, mais recentemente, sobre como as plataformas lucram com o ódio contra as mulheres, após a leitura de “Misoginia na internet”.
Dessa vez, pensei em indicar o que li nos últimos meses que me convidou a refletir sobre o que eu não pensaria no modo automático. Quem sabe inspire outras a descobrir ou explorar novas leituras:
Para pensar o papel da comida:
“Comida comum“, da brasileira Neide Rigo (Editora UBU), faz a gente ponderar sobre as relações mediadas pela comida. Defensora das panc (plantas alimentícias não convencionais), ela reflete não apenas sobre a comida que a gente cozinha, mas a que a gente semeia e escolhe comer vivendo nas grandes cidades.
Para encontrar ternura como contraponto à brutalidade:
“Notas ordinárias”, da americana Christina Sharpe (Fósforo Editora), navega por muitos espaços, afinal, é composto de 248 fragmentos sobre a relação da autora com a mãe, sobre arte, livros, negritude, memória e construção de amor-próprio. Entre refúgio e inspiração, vale nem que seja pelo prazer de ler uma das grandes intelectuais da atualidade.
Para ir além do binarismo Ocidente-Oriente:
“Soviestão”, da norueguesa Erika Fatland (Editora Âyiné), faz um registro de cinco repúblicas da Ásia Central que se viram independentes após o colapso da União Soviética: Turcomenistão, Cazaquistão, Quirguistão, Tadjiquistão e Uzbequistão. Um recorte histórico, econômico e político, que traz um importante olhar de gênero para quem se interessa por geopolítica.
Para pensar no poder das imagens:
“Políticas da imagem“, da brasileira Giselle Beiguelman (Editora UBU), reflete sobre como as imagens ocuparam um papel protagonista na mediação das relações afetivas, na maneira como experienciamos a vida e, sobretudo, nas disputas políticas.
Para repensar as políticas associadas ao sexo:
“O direito ao sexo“, da bahreinita Amia Srinivasan (Todavia Livros), busca pensar a ética do sexo para além do “consentimento”, ou como a filósofa enquadra “indagar que forças estão por trás do ‘sim’ de uma mulher; e o que esse ‘sim’ revela sobre o sexo”.
Para refletir as lacunas da memória:
“Os amnésicos”, da francesa-alemã Géraldine Schwarz (Editora Âyiné), retraça o histórico do avô da autora, um mitläufer, ou seja, um dos que colaboraram com o nazismo de forma passiva, por se levar pela corrente do momento. Ao aprofundar sobre os “lapsos” da memória da Europa, ela examina como podem ter contribuído para o momento fragilizado da democracia atual.