O poder silencioso das mães
A maternidade tem uma força imensa, que pode e deve ser usada para libertar e para acolher sem podar

(Crédito: Unsplash)
Durante uma conversa recente com a namorada do meu filho, começamos a falar sobre o peso invisível que muitas mulheres carregam e sobre como, tantas vezes, esse peso é transmitido de geração em geração, quase sempre por amor, quase sempre sem perceber. Ela me enviou um texto (do perfil @herway.magazine no Instagram) que resumia exatamente o que eu vinha tentando organizar em palavras: como as próprias mulheres, especialmente as mães, acabam, sem querer, ajudando a sustentar um sistema que as limita.
Essa é uma ideia desconfortável, eu sei. Mas também libertadora.
Porque, no início de tudo, somos criadas por elas. Meninos e meninas. E é ali, nesse começo, que o mundo começa a se formar: com cuidado, com afeto, com boas intenções. Mas também, às vezes, com silêncios, com limites impostos em nome da proteção, com aquela velha ideia de que a menina precisa “se comportar”, “não chamar atenção”, “ser discreta”.
O que mais me provoca reflexão nessa conversa sobre patriarcado não é o que os homens fazem, mas o que, muitas vezes, as mulheres — em especial as mães — não percebem que estão reproduzindo. Justamente por estarem tão presentes, por serem fonte de tanto amor, por carregarem tanto nas costas. São elas que educam, amparam, ensinam. E é justamente aí que reside sua força: na possibilidade imensa de reverter o curso da história.
Mas, por vezes, sem perceber, acabam também repetindo a lógica de que o território da mulher deve ser menor. Que devemos caber. Que não podemos florescer como os homens florescem. Essa cultura do “não faça”, “não ouse”, “não pode” vem, muitas vezes, de uma figura que nos ama profundamente, mas que aprendeu a amar dentro de uma estrutura que limita.
A feminista Adrienne Rich escreveu que “a maternidade, como experiência, pode ser profundamente libertadora; mas, como instituição, foi moldada para oprimir as mulheres”. Ao fazer a distinção entre experiência e instituição, Rich nos ajuda a entender o duplo papel que a maternidade pode exercer: de um lado, fonte de conexão, potência e amor; de outro, um campo que historicamente foi domesticado, controlado e moldado para sustentar o status quo.
Ao longo do tempo, a figura da mãe foi usada (e idealizada) como instrumento de manutenção da ordem. E, assim, ensinou-se submissão em nome da proteção, contenção em nome do cuidado. É exatamente esse o ponto: o amor, por si só, não basta quando o que se transmite é medo, contenção, obediência.
bell hooks também afirma que “o lar pode ser o primeiro lugar onde as meninas aprendem o que é ser subordinada”. Mas também pode ser o lugar onde elas aprendem liberdade. O que poderia ser espaço de afirmação, tantas vezes acaba sendo o palco onde se encena, dia após dia, a diferença de valor entre homens e mulheres.
Quando uma menina percebe que o irmão pode mais, que o pai decide mais, que o brilho da mãe se apaga em nome do bem-estar de todos, ela aprende cedo que o mundo talvez não tenha sido feito para que ela o ocupe por inteiro. E o mais duro: aprende isso com quem ela mais ama, com quem ela mais confia.
Isso me atravessa. Porque acredito profundamente no poder das mulheres, e ainda mais no poder das mães. Se há alguém que pode transformar esse ciclo, é ela. A mãe que olha para a filha e diz: “Você pode.” “Você tem direito.” “Você constrói o seu caminho.” A mãe que ousa dizer isso mesmo quando ela própria não ouviu. Mesmo quando ainda está em processo de acreditar nisso. Mesmo quando ainda está aprendendo.
Não é sobre culpa. É sobre consciência. Sobre perceber o papel que cada uma de nós pode assumir, de forma ativa, amorosa e lúcida, para redesenhar esse sistema. Porque sim, o patriarcado é mantido por homens. Mas ele é mais eficaz quando é ensinado, sem intenção, por mulheres. E justamente por isso, pode começar a ruir pelas mãos delas.
A maternidade tem um poder imenso, que pode e deve ser usado para libertar. Para acolher sem podar, para cuidar sem calar. E, sobretudo, para abrir caminhos onde antes havia apenas muros. Essa é a força transformadora única, que pode, com coragem, redesenhar o futuro. Um futuro em que cada mulher possa crescer inteira.