Cala boca já morreu: o desafio de falar sendo mulher

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Opinião

Cala boca já morreu: o desafio de falar sendo mulher

Reuniões de trabalho são ambientes de grande tensão para nós mulheres onde precisamos brigar para sermos ouvidas e termos a autoria de nossas ideias respeitada


27 de fevereiro de 2023 - 14h33

(Foto: Reprodução)

O domínio da comunicação é, sem dúvida, uma das soft skills mais valorizadas no mercado de trabalho independente do cargo ocupado ou do nível hierárquico. Neste mundo cada vez mais conectado, saber se comunicar de maneira eficaz é imprescindível para a otimização do uso das ferramentas atuais como as redes sociais e para se expressar com diferentes públicos e audiências.

Mas exercer a fala é uma atividade um tanto perigosa quando se trata de  grupos historicamente oprimidos dentro de espaços que até bem pouco tempo eram apenas frequentados  por homens e, na esmagadora maioria, brancos. 

Os estereótipos racistas e sexistas criaram barreiras quase  intransponíveis. Uma reunião de trabalho,  por exemplo, pode ser um ambiente de grande tensão para nós mulheres.  Constantemente cerceadas, precisamos brigar para sermos ouvidas e termos a autoria de nossas ideias  respeitada. Qual a mulher que nunca foi interrompida numa reunião de trabalho por um homem que faz questão de ignorar o que você tem para contribuir? Isso quando não somos constrangidas e hostilizadas em público. 

E não são apenas os homens os interruptores, nós mulheres também tendemos a desrespeitar a fala de uma outra mulher e interrompê-la sem dó e sem piedade mais vezes do que fazemos com homens. 

Quando sou interrompida numa reunião, dificilmente consigo disfarçar a minha cara de raiva diante do indivíduo manterrupter. Anos de experiência me garantiram uma tática certeira e afiada. Não deixo ele falar antes de mim por nada neste mundo. E aí vale tudo neste momento, é quase uma luta de gladiadores onde nesta arena, eu já determinei que  ninguém ganhará de mim. 

Começo fazendo de conta que o ser humano que está pronunciando palavras sobre a minha fala não está presente. Sigo com minha explanação até que ele perceba que está sendo inconveniente. Se não der certo eu respiro fundo em busca de calma, olho pra ele com um leve sorriso em meus lábios e assertivamente digo: por favor ciclano, me deixe concluir. Faço essa fala de maneira calma e delicada, mas dentro de mim o coração acelerado e o calor que queima meu rosto são sinais de que eu queria na verdade dizer pra ele um “cala boca porra, eu estou falando”. 

O mesmo ímpeto é necessário para não interromper a coleguinha ou até mesmo para defender a fala dela, se for preciso: “Só um minuto João, eu gostaria de ouvir a Ana”. Até a Ministra do Supremo Tribunal Federal Carmen Lúcia utilizou de táticas de defesa de sua fala e de outra ministra quando foi presidente da casa. Nem na mais alta corte do país estamos ilesas. 

Existem muitos desafios para se comunicar sendo mulher e nós precisamos nos unir para conseguirmos mudar algumas situações de opressão e desrespeito dentro do ambiente de trabalho. A disputa entre nós só tem um perdedor, nós mesmas.

Em razão disso, pegue na mão da coleguinha e caminhem juntas. Estilhace a máscara do silêncio. Encontre parceiras que topem estabelecer códigos nas reuniões para driblar as tentativas de silenciamento e os ladrões ordinários de ideias. Perceba se você está reproduzindo a lógica machista e interrompendo outras mulheres em seus discursos. Uma ótima ferramenta no dia a dia é o  aplicativo sem fins lucrativos Womaninterrupted, com ele é possível calcular quantas vezes uma mulher foi interrompida durante uma conversa. 

Mulheres silenciadas não mudam o mundo. A fala e a cooperação são as nossas principais ferramentas de resistência na conquista plena dos  espaços. Seguiremos lançando mão daquela antiga brincadeira infantil: Cala Boca já morreu, quem manda nas minhas ideias sou eu.

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