Opinião

Confiança coletiva não se compra, se constrói

Em 2025, seguimos premiando causas nas campanhas enquanto normalizamos desigualdades

Emilia Rabello

Fundadora e CEO da Nós — Inteligência e Inovação Social 4 de agosto de 2025 - 9h00

(Crédito: Shutterstock)

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Em 2024, os cinco homens mais ricos do mundo aumentaram suas fortunas em 12 trilhões de dólares. No mesmo período, quase 5 bilhões de pessoas empobreceram. O dado estarrecedor, divulgado pela ONG Oxfam, escancara uma realidade incômoda: a desigualdade não é uma falha do sistema, mas sim o sistema funcionando exatamente como foi desenhado, para concentrar.

No Brasil, o abismo entre quem tem e quem não tem é ainda mais escancarado. Segundo o IBGE, os 10% mais ricos ganham 13,4 vezes mais que os 40% mais pobres. Mesmo quando a economia cresce, o país segue preso a um modelo que naturaliza a desigualdade e trata a exceção como regra.

Essa desigualdade não é apenas de renda. É de acesso, de oportunidades, de voz, e tem uma engrenagem central: a forma como o capital circula, ou melhor, se acumula. No mundo de hoje, o capital especulativo, aquele investido em ações, fundos e mercados financeiros, só cresce. Enquanto isso, o capital produtivo, que movimenta a economia real, porque investe em negócios, gera empregos, inovações e desenvolvimento, encolhe, ano após ano.

É nesse cenário que ganha força a discussão sobre uma reforma tributária global. A proposta de uma taxação mínima sobre grandes fortunas, defendida por economistas como Gabriel Zucman e endossada pelo Brasil no G20, representa um passo importante. Esse assunto não se trata de ideologia, mas de matemática básica: não há estabilidade possível quando um lado concentra tudo e o outro perde até o direito ao essencial. Essa desigualdade extrema alimenta a violência, acelera o colapso ambiental, amplia o apagão de mão de obra qualificada e corrói a confiança coletiva.

O que chama atenção é que, curiosamente, a indústria da comunicação, muitas vezes criticada por estar a serviço do consumo, parece ter entendido algo que o sistema financeiro e político ainda reluta em aceitar. Nos maiores festivais de criatividade do mundo, como o Cannes Lions, grande parte das campanhas premiadas têm em comum uma abordagem centrada em impacto social, diversidade, causas ambientais, inclusão e participação comunitária.

Não estamos falando apenas das categorias criadas para ESG, como o Lion for Good ou o Glass: The Lion for Change. Estamos falando das categorias voltadas à efetividade e performance. São as campanhas com propósito que têm entregado mais valor, não por caridade, mas por inteligência de negócio.

Marcas que se conectam com a realidade das pessoas, com suas dores, urgências e sonhos, constroem reputação, preferência e relevância.

E aqui está a provocação: se a criatividade já pauta a forma de vender com mais consciência, por que ainda não serve para transformar com mais coragem? Por que seguimos restringindo o impacto à superfície da comunicação e não ao centro das decisões políticas, econômicas e estruturais?

Criamos campanhas que emocionam, que escutam as ruas, que celebram o coletivo. Mas seguimos sustentando um sistema tributário que premia o 0,1% e penaliza quem trabalha. Continuamos assistindo à lógica do rentismo sufocar a economia real. E, paradoxalmente, aplaudimos a criatividade como se ela fosse o fim e não um meio.

Parte da resposta está na criatividade, mas outra parte está nos negócios de impacto, que mostram todos os dias que é possível conciliar retorno financeiro com transformação social; está nas empresas que se responsabilizam pelos territórios onde operam; e está, sobretudo, em uma nova lógica de um sistema que inclui e investe na economia periférica, para gerar bem-estar comum e futuro compartilhado.

Discutir isso em 2025 ainda é necessário e assustador, porque o mundo que aceitava a desigualdade como inevitável já capotou. O que virá agora depende de onde vamos escolher colocar nossa inteligência, nossa política e, principalmente, nossa criatividade. 

Porque a criatividade não serve só para vender, ela serve para mudar o jogo e já passou da hora de usá-la a favor de todos.