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Opinião

O indivíduo e o coletivo

Como construir uma cultura em uma equipe criativa que valorize a individualidade, sem anulá-la?


5 de fevereiro de 2024 - 13h12

“Ailing Ali in Fight of Life”, pintura feita em 1984 por Jean-Michel Basquiat e Andy Warhol (Crédito: Reprodução/Instagram)

Este não é um texto de definições, nem de certezas, mas, sim, de exploração. Enquanto escrevo, tento chegar a uma conclusão.

Durante a exposição Basquiat x Warhol, “Four Hands”, me deparei com uma frase que ficou comigo. Basquiat e Warhol foram grandes parceiros, e a exibição tratava exatamente da época em que ambos pintaram obras juntos e convidaram outros artistas a participarem. Enquanto lia a introdução da exposição, notei a seguinte frase: “The Third Mind, two amazing minds fusion to create a third, totally separate and unique mind”. Em português, seria algo como: “A terceira mente, duas mentes incríveis se fundem para criar uma terceira mente, totalmente separada e única”.

Achei essa definição incrível e relacionei imediatamente a construção dessa “third mind” ao papel da liderança criativa de uma agência: colaborar é construir essa terceira mente. Comecei a olhar para todas aquelas obras e a pensar em como uma equipe criativa precisa incorporar a diversidade do indivíduo, ao mesmo tempo em que cria essa terceira mente, que surge quando as peças se unem.

Mas como fazer isso? Retornando à exposição, que, a partir desse momento, passou a ser sobre uma busca por padrões e semelhanças na relação entre esses dois artistas e pelo papel que um líder precisa executar para que o cenário de colaboração aconteça. Eles estabeleceram uma dinâmica: um deles iniciava a pintura com o tema que queria e passava para o outro, que tinha total liberdade para cobrir toda a tela de branco, se quisesse – ou partir do que recebeu; e, assim, continuavam nesse ciclo de lá para cá.

Se estabelecer uma dinâmica foi importante para uma dupla de artistas, imagine para uma equipe de agência com prazos e objetivos claros, pensei. Em algumas obras, percebi a tinta branca cobrindo parte do desenho original. Essa visão não poderia ser mais certeira para pensar o processo de colaborar: abdicar um pouco da sua perspectiva para dar espaço para a outra parte contribuir.

Dando sequência na exposição, entrei em uma sala de quadros que apresentavam a adição de mais um artista à colaboração. O que mais me impressionou foi como, mesmo os artistas tendo estilos diferentes, seja com temas, gráficos ou características específicas, era possível reconhecer a identidade de cada um, enquanto se compreendia, ainda, a obra na totalidade.

Isso me levou a outra reflexão paralela: como é importante o coletivo não suprimir o individual. Seria triste ver um quadro criado por três artistas incríveis e não conseguir assimilar a contribuição de cada um. Então, como construir uma cultura em uma equipe criativa que valorize a individualidade, sem anulá-la? E como dar protagonismo para as pessoas e, ao mesmo tempo, construir algo que seja uma identidade de grupo? Eita desafio!

Meus filhos são gêmeos, dois meninos de 11 anos, João e Tomás. Eles lutam constantemente por sua individualidade. Embora tenham nascido como uma dupla, sempre tentamos evitar comparações e vê-los como um grupo, mas são frequentemente chamados por “os gêmeos”, “a dupla”, “os manos”. Quando eram bebês, nunca vestimos roupas iguais, mas a semelhança física era mais forte que todas as nossas tentativas. Conforme foram crescendo, encontraram maneiras de se diferenciar na escola, começando pela cor dos tênis, um azul e o outro amarelo, o que ajudava seus amigos e professores a distinguir os dois. Isso evoluiu para a escolha de chuteiras de futebol de marcas diferentes, com base em suas paixões por Messi e Cristiano Ronaldo, respectivamente. A paixão pelos jogadores diminuiu, mas a estratégia de diferenciação continuou.

Compartilho essa história porque a relacionei à exposição. Ao contrário de Basquiat e Warhol, que construíram fortemente suas identidades e, seguros de quem eram como artistas, colaboraram para formar algo novo, meus filhos, que estão sempre juntos, tentam moldar suas diferenças. Talvez o segredo de um time seja esse: construir um grupo feito de indivíduos que sejam incentivados e valorizados em suas diferenças e vivam em um ambiente onde pintar de branco a obra do outro, para trazer o seu olhar, não seja um problema.

Será que é possível ter fórmula? Será que as fórmulas de sucesso são replicáveis? Fico vendo estas séries da Netflix que contam histórias de times e treinadores de sucesso; é difícil imaginar que se alguém repetir as fórmulas vai chegar nos mesmos resultados.

Penso nas minhas experiências em equipes criativas, nas quais vivenciei situações diferentes, e tento achar os padrões entre os exemplos bons e os ruins. Já estive em agências onde era apenas uma peça de um coletivo tão forte que quase me anulava. No entanto, também participei de equipes em que os valores uniam pessoas muito diversas. Era enriquecedor, e, em cada conversa e projeto, sentia que era aceitável ser eu mesma.

De tudo, hoje, posso dizer que, dos times que participei, aqueles em que me senti valorizada individualmente, em que sentia que minha opinião e minha trajetória contribuíam, foram os times nos quais mais cresci e produzi melhor. O papel de um líder não é fácil, mas, talvez, o mais importante é que se deve ser genuinamente curioso em relação às pessoas dos seus times. Mostrar o genuíno interesse pelas pessoas sentadas à mesa faz diferença. O coletivo deveria fortalecer o indivíduo.

Concluo este texto sem conclusões, apenas conexões aleatórias que passaram pela minha mente e envolvem meus questionamentos. Adoraria passar este texto adiante e ver o que poderia vir com sua colaboração. Pode pintar de branco o que desejar, e seguiremos contribuindo para achar maneiras de sermos melhores líderes e melhores criadores.

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