Por que as mulheres dominam o mercado de influência no Brasil?
Razões remontam à era dos blogs e aos segmentos que mais têm investido no marketing de influenciadores
Por que as mulheres dominam o mercado de influência no Brasil?
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Lidia Capitani
3 de outubro de 2024 - 14h01
No mais recente levantamento da Influency.me, os 15 influenciadores mais buscados pelas marcas foram todas mulheres. O estudo considera os criadores que mais vezes foram cotados para contratação de marcas e estão entre os favoritos de 2024. Nessa lista, constam pessoas como a Maísa Silva, em primeiro lugar, seguido da Camila Coutinho, Jade Picon, Fernanda Schneider e Mariana Gonzalez.
O fato que intriga nesta lista e em tantas outras do passado é a sua composição 100% feminina. Seria um sinal de que elas lideram esse mercado? Segundo pesquisa “Creators e negócios” do Youpix, de 2023, é possível dizer que sim. Afinal, entre os 10,5 milhões de criadores de conteúdo no Brasil, 71% são mulheres cis e trans. Destes, 500 mil promovem marcas aos seus seguidores, colocando o Brasil no segundo lugar do ranking mundial em quantidade de influenciadores, ainda de acordo com a Youpix.
Para entender esse fenômeno, é preciso voltar no tempo, aos princípios da internet no Brasil e do movimento dos blogs. Issaaf Karhawi, jornalista, mestre e doutora em ciências da comunicação pela USP e autora do livro “De blogueira a influenciadora”, aponta que o mercado dos influenciadores que existe hoje é fruto das blogueiras de moda dos anos 2000 e 2010, que foram pioneiras na produção de conteúdo digital no país.
Por outro lado, a Issaaf também reflete sobre os estigmas que rodeiam o lugar da influenciadora, e como, por muito tempo, as blogueiras foram vistas como fúteis por falarem sobre moda e beleza. “A expressão ‘influenciador’ carrega muitos estigmas. Quando pensamos em influenciador, a imagem que vem é de alguém que apenas quer aparecer na internet, entre muitas aspas. Isso reforça a ideia de frivolidade, futilidade e superficialidade, como se estivéssemos entrando em um espaço estigmatizado do feminino”, analisa.
“O termo ‘influenciador’ acabou sendo associado, primeiramente, à imagem de uma mulher fazendo publicidade, falando de moda, mostrando sua vida e intimidade. Isso se transformou em um estigma. Além disso, a própria palavra passou por variações ao longo do tempo”, continua. “Chamamos os homens de outras coisas. Quando são influenciadores, usamos termos como streamer, youtuber, gamer. Damos outros nomes para evitar chamar de influenciador, deixando esse termo, especialmente ‘influenciadora’, nesse lugar estigmatizado”.
Não à toa, os mercados da moda e da beleza são dois dos principais segmentos que investem em marketing de influência. Na pesquisa da MindMiners “Quem te influencia?”, das top 5 marcas que as pessoas veem sendo mais mencionadas por influenciadores, 3 são de beleza (O Boticário, Natura e Avon). Já entre as categorias de produtos que os consumidores compram quando há recomendação de influenciadores, 57% disseram beleza e cuidados pessoais e 44%, vestuário e acessórios. Além disso, a pesquisadora ressalta o tamanho e calibre das indústrias de moda e beleza, que focam em grande escala ao público feminino.
Por isso, na visão de Jade Picon, uma das influenciadoras da lista de mais procuradas pelas marcas, existem mais oportunidades para as mulheres nesse mercado de influência. “Percebo que nós, mulheres, temos mais possibilidades e abertura para conversas no mercado. Meu irmão também trabalha com internet, e vejo que, no geral, as mulheres têm mais oportunidades. E acho que isso gera uma conexão maior”, aponta. Jade tem quase 22 milhões de seguidores no Instagram. Além de influenciadora, ela é ex-BBB, atriz da Globo e empresária.
A capacidade de conexão foi um dos principais atributos comentados por outras influenciadoras quando questionadas sobre o domínio feminino da lista. “Estamos vendo um movimento onde mais mulheres escutam e prestam atenção no que as outras têm a dizer. Elas se sentem acolhidas, contempladas, protegidas. Hoje, quando uma mulher fala, há uma tendência maior de outras mulheres se interessarem, porque o que está sendo dito faz sentido dentro do contexto feminino. Acho que o universo da internet reforça isso”, avalia Larissa Luz, criadora de conteúdo listada pela pesquisa da Influency.me. Ela é cantora e atriz, e tem 290 mil seguidores no Instagram.
“Sinto que as mulheres têm esse senso de comunidade mais forte. É aquela coisa de papo de garotas, como quando uma amiga me dá uma dica. As mulheres parecem criar uma proximidade maior com nossos seguidores”, complementa Fernanda Schneider. A Fefe, seu @ no Instagram, faz conteúdos diversos, mas é mais reconhecida por seu lado investigativo de casos policiais e misteriosos. Hoje, mais de 7 milhões usuários a seguem somente no Instagram.
A influenciadora revela que tem uma relação muito próxima com seus seguidores, a ponto de trocar mensagens privadas e fazer ligações por telefone. “As mulheres que conheço e que trabalham nesse meio costumam valorizar seus seguidores, reconhecendo que eles são a razão do que têm hoje e querem retribuir de alguma maneira”, destaca.
De acordo com uma pesquisa do Youpix, as marcas investem em influenciadores para amplificação e awareness (62%), alcance de novas audiências (55%) e tradução da mensagem da marca (43%). Por isso, a conexão entre marca e influenciador, na opinião das influenciadoras, deve ser honesta e refletir um “match” de valores. “Percebo que isso é o que as pessoas e as marcas querem: que a mensagem chegue de fato, e não apenas passe. Quando fazemos algo com verdade e profundidade, a chance dessa mensagem realmente impactar as pessoas é muito maior”, argumenta Larissa Luz.
Para gerar impacto, a autenticidade é outro atributo importante para as criadoras de conteúdo. Ou seja, além de acreditar na marca que está publicizando, a influenciadora precisa ter identidade e linguagem próprias. “A marca sabe o que quer comunicar, conhece a mensagem do produto e como vendê-lo, mas só eu sei como falar com meu público. Não adianta tentar entregar tudo mastigado para o influenciador e dizer: ‘Fale isso!’. Não se cria um vínculo nem com a marca, nem com o influenciador”, afirma Fernanda Schneider.
A verdade e honestidade da “publi” também são fundamentais para que as mensagens cheguem ao público e gerem conversão. “Quando faço conteúdos para marcas, as pessoas vêm no inbox me perguntar se aquilo realmente vale a pena, e eu converso com elas. Então, não é só postar um vídeo, tem todo um contexto ao redor, e é uma grande responsabilidade. Gosto de fazer coisas nas quais realmente acredito, que consumo, que acho interessante. Não crio conteúdo sobre algo que não acho legal”, diz Larissa.
Além da consistência, o que essas influenciadoras têm em comum é seu empenho em produzir conteúdos publicitários com criatividade, liberdade e domínio sobre o processo. “Hoje, minha relação com as marcas é muito honesta. Gosto de ter reuniões, não quero apenas receber um briefing escrito. Quero ouvir do diretor de marketing porque ele me escolheu e porque quer que eu fale de determinada maneira”, afirma Fernanda.
Jade Picon é outra que participa do processo e das reuniões de forma ativa. “Faço questão de opinar, de afinar as ideias, dizer o que funciona ou não com base nas pessoas que me acompanham”, diz. Com a sua consistência e relevância, hoje, a influenciadora preza pelas relações de longa data com as marcas, pois são as que se conectam com seu estilo de vida. “Priorizo sempre isso: construir uma parceria que fortaleça a credibilidade que tenho quando divulgo algo. Quando falo de uma marca, é porque gosto, acredito e sinto que há um ‘match’ verdadeiro”, responde.
De acordo com a Goldman Sachs Research, o mercado global da creator economy movimentou US$ 250 bilhões em 2023. Na pesquisa da Youpix, 41% das empresas consultadas afirmam que o marketing de influência é parte central da sua estratégia de comunicação. “Os influenciadores são uma maneira de escapar dessa publicidade tradicional que interrompe, e de entrar, de fato, nas lógicas de consumo dos usuários”, avalia Issaaf.
Afinal, não é apenas a empresa que ganha nessa relação. “Quando um influenciador faz uma parceria com uma marca, isso também é importante para ele, pois traz reputação e validação do mercado, o que é crucial. Ser validado pelo mercado é uma etapa essencial na construção da influência, ligada ao reconhecimento e à legitimação como alguém realmente influente”, aponta a pesquisadora. “São duas marcas, cada uma com sua missão e valores, mas que encontram convergências para se beneficiarem mutuamente”, continua.
Na avaliação da pesquisadora, o estudo das influenciadoras mais procuradas pelas marcas revela dois pontos importantes. Primeiro, que as criadoras de conteúdo destacadas são as que trazem resultados, sejam numéricos, na conversão em vendas, ou intangíveis, como a divulgação do nome do produto ou marca. Segundo, são influenciadoras que não colocam as marcas em crises de reputação e que mantêm uma ética no tipo de publicidade que fazem.
Por isso, os números de seguidores e alcance não são as únicas métricas de sucesso que as marcas avaliam. “Muitas marcas buscam agregar valor social, algo que vejo presente nos meus conteúdos. O público que consome minha arte, meu conteúdo, também tem esse potencial de espalhar ideias, de amplificar a mensagem para um público maior. Não é só ‘vamos ver quantos números tem’ e pronto. Elas analisam o alcance, para quem a mensagem está sendo direcionada, qual é o nicho, e o que essas pessoas podem fazer com o que eu estou trazendo”, aponta Larissa.
A pesquisa, entretanto, revela como esse mercado ainda é predominantemente branco. Das quinze influenciadoras listadas, apenas duas são negras, incluindo Larissa e Aline Wirley. “Apesar de termos muitas mulheres na lista, o número de negras ainda é baixo. Estamos avançando, furando o sistema e o mercado cada vez mais, mas ainda é um número pequeno. Existem tantas mulheres negras com muito a dizer, com uma comunicação incrível, que merecem estar não só nessa, mas em muitas outras listas também”, conclui a cantora.
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