Helen Pedroso e a ponte entre terceiro setor e responsabilidade corporativa

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Helen Pedroso e a ponte entre terceiro setor e responsabilidade corporativa

A diretora de Responsabilidade Corporativa e Direitos Humanos do Grupo L’Oréal no Brasil conta como trazer impacto positivo para o cerne dos negócios 


21 de novembro de 2023 - 14h45

Helen Pedroso é diretora de Responsabilidade Corporativa e Direitos Humanos no Grupo L’Oréal no Brasil e membro do Comitê Curador da Liga dos Intraempreendedores (Crédito: Cris Vicente/Divulgação)

Helen Pedroso entendeu muito cedo a importância da comunidade e da rede de apoio na vida de alguém. Hoje, a profissional usa essa sabedoria no ambiente corporativo, transformando empresas em redes de apoio para comunidades locais. Atualmente, é diretora de Responsabilidade Corporativa e Direitos Humanos no Grupo L’Oréal no Brasil e membro do Comitê Curador da Liga dos Intraempreendedores. Mas, antes, traçou uma longa trajetória no terceiro setor, em cargos de direção de organizações como Instituto Ronald McDonald, Pacto Global da ONU, Instituto Coca-Cola Brasil e Fundação Xuxa Meneghel. 

Nesta entrevista, Helen fala sobre suas atribuições como líder de responsabilidade corporativa, trazendo exemplos dos projetos que desenvolve na L’Oréal. Além disso, também aconselha como empresas podem se aliar ao terceiro setor para desenvolver suas estratégias ESG. 

Fale um pouco sobre a sua trajetória profissional. 

Desde cedo, conceitos como comunidade e pertencimento tornaram-se fundamentais para mim, especialmente após a perda dos meus pais durante a adolescência. A reviravolta na minha vida me fez perceber a importância de estar em um lugar privilegiado, como era o caso da zona sul do Rio de Janeiro. A escola em que estudei, uma instituição privada e católica, concedeu-me uma bolsa, assim como o curso de inglês. Mesmo em tempos difíceis para a minha família, a comunidade ao meu redor fez toda a diferença. Consegui concluir meus estudos e ingressar na faculdade, também por meio de uma bolsa. 

Durante a faculdade de psicologia, comecei a me envolver em projetos sociais e a trabalhar no governo. Passei três anos na Secretaria Estadual de Ação Social do Rio de Janeiro. Posteriormente, descobri outros caminhos no terceiro setor, trabalhando em ONGs notáveis, como a Fundação Xuxa Meneghel, Cieds, Instituto Coca-Cola e o Instituto Ronald McDonald. Sempre mantive o sonho de trabalhar na ONU, e durante a pandemia, me envolvi em projetos globais, o que me abriu portas para a conexão com a L’Oréal, onde ingressei como diretora de Responsabilidade Corporativa e Direitos Humanos.

Essa transição do terceiro setor empresarial para a gestão me permitiu liderar a agenda de sustentabilidade e direitos humanos. Atualmente, como Chief de Responsabilidade Social, tenho a responsabilidade de trazer essas questões para o centro do negócio, respondendo diretamente ao CEO. 

Quais são as suas atribuições como diretora de Responsabilidade Corporativa e Direitos Humanos no Grupo L’oréal no Brasil? 

Eu costumo dizer que sou responsável por coordenar um amplo espectro, algo como um guarda-chuva, que é o L’Oréal for the Future. Na L’Oréal, uma empresa global, seguimos uma estratégia e temos um compromisso com a Agenda 2030, abordando questões ambientais, sociais e de governança. A ideia é transformar nosso negócio para gerar impacto, influenciar nosso ecossistema e contribuir para mudanças em fornecedores, redes, comunidades e clientes. 

Minha função envolve uma administração abrangente dos KPIs (Indicadores-Chave de Desempenho), negociando diretamente com marcas e divisões em uma estrutura matricial. Identificamos mais de 95 colaboradores que contribuem para a agenda L’Oréal for the Future. O engajamento é crucial. Promovemos conhecimento e envolvimento para manter todos alinhados e impulsionando a agenda. Além disso, enfatizamos o impacto social, realizando projetos por meio do Fundo para Mulheres da Fundação L’Oréal e integrando causas sociais em nossas marcas. A visão global orienta nossas marcas para gerar impacto, movimentando-se em sintonia com as comunidades onde estamos presentes. 

Quais desafios você enfrenta para alinhar essa estratégia global às práticas locais? 

É crucial buscar e valorizar as identidades locais, e um exemplo notável disso é nosso envolvimento na “Pequena África” [nome dado a uma região do Rio de Janeiro onde se encontra a Comunidade Remanescentes de Quilombos da Pedra do Sal, Santo Cristo e outros locais habitados por escravizados alforriados, e que de 1850 a 1920 foram reconhecidos assim], onde está localizada a sede da empresa. Esta atuação se destaca por nosso apoio direto às comunidades ao nosso redor, uma iniciativa que se estende pelos quatro sítios em que operamos. 

Consideramos essencial que, mesmo sendo uma empresa global, nossas iniciativas e compromissos sejam tangíveis, especialmente em um país marcado por grandes desigualdades sociais. Estamos localizados próximo ao Cais do Valongo, um local histórico que foi o principal porto de recebimento de escravizados. A descoberta desse passado durante as escavações das Olimpíadas de 2016 resultou na designação da região como Patrimônio Histórico Cultural pela Unesco. 

Adotamos uma abordagem que aprende com o passado, reconhece o presente e atua para moldar o futuro. Além de nosso comprometimento de longa data com o Instituto Pretos Novos (IPN), que mantém viva a história da região e oferece formação para escolas públicas, expandimos nosso apoio para incluir projetos de formação para professores e alunos, além de suporte para novos guias turísticos e professores de história. 

Nesse contexto, estamos contribuindo para a criação da primeira escola de beleza da “Pequena África”, formando 100 mulheres como auxiliares de cabeleireiro. Estamos também oferecendo bolsas para o Instituto L’Oréal, uma divisão de produtos profissionais que visa formar verdadeiros profissionais da área. 

Além disso, fora dessa localidade específica, destacamos nosso compromisso com a biodiversidade. A L’Oréal tem uma forte agenda ambiental, e no ano passado assumimos o desafio de anunciar e trabalhar para a redução de gás carbônico, alcançando a neutralidade em todos os nossos sítios. Esse ano, avançamos ainda mais, olhando para a cadeia de abastecimento e priorizando o biometano. Estamos construindo um posto de biometano no centro de distribuição que servirá não apenas à L’Oréal, mas a toda a cadeia. 

Esses exemplos ilustram como olhamos para a realidade, entendemos as identidades das comunidades e conectamos essas realidades ao nosso negócio, potencializando as possibilidades de impacto positivo. 

Você é membro do Comitê Curador da Liga do Intraempreendedorismo. De que forma você desenvolve o intraempreendedorismo e como é sua atuação na liga? 

Minha trajetória na Liga é longa, mas minha atuação tornou-se mais ativa durante a pandemia. Essa experiência foi enriquecedora, pois a Liga trouxe reconhecimento para algo que sempre fiz no terceiro setor: utilizar os conceitos empreendedores de ser audacioso, planejar estrategicamente, ser visionário e movimentar agendas, além de participar e articular com grupos importantes. 

O conceito de intraempreendedorismo, que muitas vezes não é devidamente reconhecido dentro das organizações, é uma característica forte da L’Oréal. Aqui, costumamos dizer que criamos nossa própria cadeira, e minha atuação está fortemente alinhada a uma agenda de mudanças. Trazer um olhar estratégico, criar parcerias, desenvolver um senso de comunidade e identificar campeões dentro do grupo são aspectos essenciais para gerar valor ao negócio. 

A Liga proporcionou ferramentas e uma rede de apoio que me permitiu avançar em projetos durante a pandemia, incluindo o Hacking for Good, do Instituto Ronald McDonald em parceria com a KPMG, que reuniu dados sobre o câncer infantil no Brasil. Meu papel na Liga é manter a chama viva no Brasil, replicando as práticas globais e buscando formas de engajar outras pessoas nessa experiência. Assim, atuo não apenas no âmbito individual, mas também na articulação para que outros possam contribuir e aprender nesse contexto voluntário. 

Quais características ou habilidades você considera essenciais numa liderança? Como você as desenvolve e as alimenta regularmente?  

Eu realizei um curso na Kellogg School of Management sobre liderança no terceiro setor, e lá compreendi o conceito da liderança humanizada. Em um mundo onde usar o termo “humanizado” para justificar processos pode parecer peculiar, é importante lembrar que estamos inseridos em um universo muitas vezes árido. À medida que buscamos resultados, a administração e a liderança tendem a se tornar mais rígidas e focadas. 

Liderança humanizada, para mim, significa olhar para a equipe com empatia e solidariedade. Embora a produtividade seja crucial, a cocriação e o reconhecimento do potencial de cada membro da equipe são aspectos igualmente essenciais. Acredito que, no dia a dia, estar cercada por pessoas inspiradoras e participar ativamente de projetos é fundamental. 

Engajo-me em conselhos como voluntária, sendo uma das Conselheiras 101 da Turma 4, um conselho exclusivo para mulheres negras em parceria com a KPMG. Participar de projetos significativos ao lado de outros líderes que promovem grandes mudanças é uma constante na minha rotina. Atualmente, estou finalizando a curadoria de um livro para a Editora Líder, que será lançado no início do próximo ano, focando em histórias inspiradoras de mulheres atuantes nesse setor. 

Você tem muita experiência no terceiro setor. Como as empresas podem se aliar ao terceiro setor para desenvolver sua agenda ESG? 

Acredito que a ONU delineia claramente um papel crucial para as empresas, e, desde a década de 1950, existem conceitos consolidados sobre responsabilidade social. Esses conceitos visam orientar as empresas a utilizar a força de seus negócios para gerar impacto positivo, indo além da simples operação e lucro. A ideia é evitar a degradação ambiental, a exploração do trabalho e o abuso econômico, abrangendo temas como direitos humanos e combate à exploração e à pobreza. 

A filantropia desempenha um papel significativo no Brasil, com referências históricas que evidenciam a combinação do capital empresarial com o propósito de organizações, resultando em desenvolvimento econômico e impacto social. Trabalhar em parceria com o terceiro setor é algo belo, pois permite que as empresas unam sua expertise em eficiência com o propósito de organizações voltadas para solucionar desafios sociais. 

Minha experiência em diversos setores proporciona um olhar interessante sobre os desafios do terceiro setor, que não se limitam apenas à busca por recursos, mas também envolvem o desafio do trabalho voluntário. Reconheço que o timing e a relação com o terceiro setor podem ser desafiadores para muitas empresas. Por isso, ter uma área dedicada à responsabilidade social, com uma política de filantropia embasada em processos, nos permite estabelecer uma agenda significativa com o terceiro setor. Essa interação vai além do suporte financeiro, envolvendo diálogo e construção colaborativa para promover mudanças nas comunidades em que atuamos. 

Por fim, indique três produtos culturais, livros, filmes ou séries, que tiveram impacto na sua carreira e vida pessoal. 

Tenho um apreço especial por biografias, e um livro que realmente me marcou foi o da Michelle Obama. Quando eu morava nos Estados Unidos, acompanhei de perto a política americana e fui desafiada a compreender minha própria herança. Foi lá que, ao preencher informações sobre minha origem, refleti sobre a forte tendência no Brasil de higienizar e esquecer nossas raízes diversificadas. Sempre me identifiquei como mulata e brasileira, mas foi nos Estados Unidos que essa reflexão ganhou profundidade. 

A história da primeira-dama e do primeiro casal negro na presidência dos Estados Unidos chamou minha atenção, especialmente pela trajetória difícil que enfrentaram para chegar lá. A maneira leve como Michelle Obama conduziu sua posição, abrindo mão da sua carreira para acompanhar o marido, o presidente, e ainda assim trazendo agendas importantes, como a questão da obesidade infantil, a tornou uma referência para mulheres. 

Além disso, tenho uma paixão por podcasts. O “Mamilos” e o “Projeto Querino” são alguns dos meus favoritos. Recentemente, descobri o podcast “ESG em Pauta”, da Juliana Oliveira, que está trabalhando com temas fascinantes. O episódio com a Tainá Leite, minha ex-colega do Pacto Global, me deixou encantada. Podcasts são uma maneira incrível de ouvir diferentes perspectivas e explorar temas que nos interessam. 

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