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Opinião

O poder de uma simples conversa

A conversa não é só um passatempo -- ela é o pilar das relações humanas e do sucesso dos negócios


10 de julho de 2024 - 14h33

(Crédito: Adobe Stock)

A gente nasce com dois ouvidos e só uma boca. Conforme crescemos, a maioria de nós vai invertendo a lógica que decorre dessa regra da natureza e acaba falando muito mais do que escutando. Penso que isso é potencializado pelo ritmo intenso da vida e pela tempestade de estímulos aos quais somos submetidos diariamente: rede social que temos de acompanhar, a última notícia, o WhatsApp que virou e-mail. Precisamos dar conta de tudo isto e, por essa razão, falamos rápido e nem queremos ouvir. O importante mesmo é tirar aquele tema da frente e avançar na infindável lista de pendências. A conversa virou perda de tempo.  

Há uns dias, visitei uma cidade pequena do Nordeste, daquelas tranquilas, onde parece que a vida passa mais devagar. Me deu uma inveja daquelas pessoas, com suas cadeiras na calçada, costurando e jogando conversa fora. Me dei conta de que isso tem me feito falta. 

Em tempos nos quais todo mundo quer falar e postar mais e mais, encontrar alguém que nos ouça – de verdade – faz toda a diferença. Pesquisadores e especialistas sustentam que ouvir com eficácia é uma habilidade altamente desejável no local de trabalho, mas esse assunto já é discutido há algum tempo. Em 1952, a Harvard Business Review divulgou o artigo Barriers and Gateways to Communication, de Carl R. Rogers e F.J. Roethlisberger. No texto, aborda-se a incapacidade de ouvir como uma “deficiência do mundo moderno que é generalizada e terrível” e encoraja-se maiores esforços no ensino de como ouvir. Passados 70 anos, será que melhoramos?

A premissa básica do marketing não muda: entender o que as pessoas querem e quais são seus desejos. Sem ouvir, não temos como alcançar de maneira consistente tal objetivo. Saber escutar com atenção e empatia é uma habilidade valiosa para conquistar clientes, construir relacionamentos e impulsionar as vendas. Para isso, é essencial valorizar o ato de conversar. 

Muitos de nós, marqueteiros, colocamos as pesquisas de mercado entre nós e os clientes. Claro que elas têm seu papel e são parte importantíssima de um planejamento, mas se tivermos mais disponibilidade para a conversa, ela pode ser a resposta e o remédio para muitos desafios de negócio. 

Trabalhei mais de dez anos em uma empresa de alimentos e tinha o hábito de passar alguns dias no supermercado, trabalhando como demonstradora de produtos. Estar lá me permitia ver a reação dos clientes quando experimentavam. Eu pedia opinião e ouvia todo o tipo de dúvida, em uma conversava sem filtros e sem intermediários. Posso assegurar que dali saíram ideias, inclusive para um lançamento que depois foi replicado em vários países e me rendeu uma promoção. Hoje, faço pouco isso e digo que é falta de tempo, mas tempo também é uma questão de prioridade. Tenho me policiado para recuperar essa prática. 

Outro exemplo de boa conversa é a que podemos ter com os influenciadores. É possível criar dinâmicas muito interessantes para além do que queremos que falem, postem e endossem sobre nossas criações. Eles costumam ser um ótimo canal reverso, já que ouvem o cliente lá fora e podem trazer sua voz para dentro da empresa sob uma perspectiva diferente.  

Uma dinâmica como essa aconteceu em um lançamento de smartphone, que realizamos em 2023: os influenciadores testaram e acharam incrível o zoom da câmera. Quando pedimos o feedback deles sobre o produto, eles só falavam nisso, e não na funcionalidade que queríamos promover. Como “bom” executivo, que mais fala do que ouve, insistimos, demos mais treinamentos e, finalmente, respiramos… escutamos e percebemos que tínhamos uma oportunidade de ouro. Promovemos a funcionalidade apontada por eles e adivinha? Tivemos um incrível resultado de vendas. Apenas conversando e escutando. 

Cabe destacar que qualquer marca que pretenda se conectar com uma geração instintivamente diversa e multicultural deve se envolver com diferentes comunidades para construir um entendimento cultural robusto. Mas como fazer isto sem conversar? Talvez, alguns de nós, estejamos nos perdendo nessa jornada. 

Acredito que uma boa conversa não é apenas uma técnica, mas uma filosofia que transforma a forma como você se relaciona com os consumidores. Trocar com clientes de forma regular deveria estar nos objetivos de todo o time de marketing, porque o custo é baixo e o potencial de resultado é gigante. 

A conversa é o alicerce das famílias, das amizades, da sociedade e das empresas. Pena que estejamos deixando-a em segundo plano.

Um dos meus autores preferidos, Guimarães Rosa, fala sobre a importância da conversa em vários textos. Gosto especialmente de como ele a chama de “conversinha miúda”, de ninharias, comparando à conversa de formigas. E quando diz que a conversa tem uns retalhos de filosofia, uns pingos de poesia, uns lampejos de humor. Ou que poderia ser só um passatempo, um jeito de matar o tempo, um pretexto para estar junto de alguém.

Gosto dessas reflexões, mas só adicionaria um ponto ao trazer para a vida real: a conversa não é só um passatempo, ela é o pilar das relações humanas e do sucesso dos negócios. 

 

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