Bárbara Sacchitiello
17 de junho de 2018 - 12h46
Além da consagração de “Fearless Girl” e do alvoroço causado pelo anúncio da retirada temporária do Publicis Groupe do festival, o Cannes Lions 2017 teve outro elemento marcante: a quantidade recorde de brasileiros que subiu ao palco para receber Leões de Ouro e Grand Prix por trabalhos realizados em agências de outros países.
Nomes como Anselmo Ramos (na época CCO da David, de onde saiu no início deste ano para fundar a agência GUT), Marcelo Bemfica (diretor-geral de criação da MRM/McCann Espanha), Eduardo Marques (diretor executivo de criação da 180LA), Rafael Rizuto (outro que após a consagração em Cannes deixou a agência na qual atuava, a 180LA, para empreender, lançando nos Estados Unidos a TBD) e Bernardo Romero (vice-presidente sênior e diretor de criação da Area23/FCB Health Nova York) se destacaram por participar de cases que cativaram os jurados e, com isso, ajudaram a mostrar a valorização da criatividade brasileira pelo mundo.
A exportação de talentos na área de publicidade não é um movimento novo. Considerado um berço de profissionais criativos, o Brasil já viu diversos publicitários brilharem em outros territórios. Estados Unidos e Europa são residência de muitos brasileiros que escolheram tentar carreira no mercado internacional. E o Festival de Cannes acaba sendo um termômetro para mostrar ao mundo que eles vêm obtendo sucesso na empreitada.
As listas que procuram destacar os trabalhos de todo o mundo com potencial para angariar Leões em 2018 revelam que novos nomes podem entrar para o grupo dos brasileiros expatriados vencedores do festival. Em comum, esses profissionais carregam a proposta de mostrar que o talento do País e o entusiasmo em produzir trabalhos criativos para diversas marcas não estão restritos a fronteiras.
A dupla Zampa e Zaro: trabalhos na David SP, como “Essa Coca é Fanta” renderam mudança para o escritório de Miami
Até o ano passado, Jean Zamprogno e Fernando Pelizzaro, dupla conhecida como Zampa & Zaro, atuavam na David São Paulo, onde chegaram em 2013 e trabalhavam em sinergia com os escritórios de Miami e Buenos Aires. Em 2017, veio a oportunidade da mudança para a Miami, de onde saíram diversos trabalhos da David premiados com Leões nos últimos anos.
Nos Estados Unidos, eles participaram da criação de sete campanhas que a David inscreveu em Cannes, entre elas “Neutrality” (que fez uso de hambúrgueres para abordar a polêmica da neutralidade da rede) e “McMansions” (que buscou nas residências de diretores do McDonald’s um elemento para provocar a concorrência), ambas para o Burger King, e outros trabalhos para AB-Inbev, Heinz e Nestlé.
https://www.youtube.com/watch?v=ltzy5vRmN8Q
Para os brasileiros, a disposição dos anunciantes norte-americanos em ousar nas campanhas permite a geração de ideias mais fluida. “Nos Estados Unidos, o pessoal costuma se arriscar mais. É mais fácil colocar nas ruas ideias consideradas mais polêmicas e mais provocativas. No Brasil, o mercado, no geral, é um pouco mais conservador”, avalia o diretor de arte Zampa. Sua dupla endossa a opinião. “O SuperBowl é um ótimo termômetro dessa relação norte-americana com a propaganda. As pessoas param para assistir a comerciais porque gostam de ver e comentar as campanhas”, frisa Zaro. Apesar de ressaltar a diferença, os profissionais pontuam que, quando a criatividade brasileira abre espaço para a ousadia, o resultado pode ser incrível. E é em um case que embarcou nessa inovação que eles estão apostando as fichas para a conquista de importantes troféus em Cannes.
Quando ainda trabalhavam em São Paulo, Zampa & Zaro participaram da criação do case “Essa Coca é Fanta. E daí?”, que ganhou o Blue Wave, premiação máxima do Wave Festival in Rio, em maio.
Para os criativos, o trabalho representa a situação em que a marca abraça o poder da ideia. “Para um anunciante tradicional como a Coca-Cola, acreditar em uma mensagem sobre diversidade e fazer uma grande mobilização para que o case acontecesse foi um grande exemplo de ousadia”, elogia Zampa. O trabalho subverteu o caráter homofóbico da expressão “Essa Coca é Fanta” ao preencher o interior das latas de Coca com o refrigerante de laranja e distribuí-los a influenciadores como uma mensagem em prol da tolerância.
O inusitado da ação, associado ao poder de uma mensagem que levanta a bandeira da diversidade trazem boas expectativas aos brasileiros em relação à avaliação do case pelos jurados de Cannes. “Temos um grande carinho pela ideia e não dá para negar que a expectativa é grande”, assume Zaro.
Rafael Segri e Kiko Mattoso, da Saatchi & Saatchi NY: após sucesso no Superbowl, criativos buscam troféus em Cannes
Campeões do Super Bowl
Outra dupla de brasileiros também residente nos Estados Unidos tem grandes chances de subir ao palco para receber Leões por um trabalho que, desde fevereiro deste ano, já vem dando frutos. Kiko Mattoso e Rafael Segri, diretores de criação da Saatchi & Saatchi Nova York, participaram da criação de “It’s a Tide Ad”, comercial criado para a marca de detergente em pó Tide, da P&G. Além de arrancar risadas do público — a campanha é uma espécie de metalinguagem bem-humorada dos comerciais de TV —, o trabalho rendeu prêmios. Foi eleito o melhor comercial do Super Bowl pela Adweek e também faturou o Super Clio, o Best Film no One Show, o Black Pencil do D&AD e dois GPs no New York Festivals (Film e Media).
https://www.youtube.com/watch?v=doP7xKdGOKs
A dupla conta que o briefing já trazia um enorme desafio: criar um comercial capaz de superar o sucesso de “Bradshaw Stain”, campanha de 2017 da Tide que faturou 13 Leões em Cannes. Para isso, os criativos subverterem a ordem: em vez de mostrar que o sabão tirava manchas, exibiram comerciais em que pessoas trajavam peças claríssimas, como as usadas em propaganda de sabão em pó. “Conseguimos fazer os filmes extrapolarem a TV e irem para as redes sociais onde as pessoas passaram a criar conteúdo para Tide por meio de tweets, memes e posts, amplificando ainda mais o resultado para marca”, celebra Mattoso, que desde junho do ano passado trabalha no escritório nova-iorquino da Saatchi & Saatchi e que acumula passagens anteriores por MPM, DM9DDB e Publicis.
Rafael Segri também está na agência há um ano e aponta algumas diferenças que impulsionam o trabalho dos brasileiros em outros mercados. “A própria robustez da indústria faz com que toda ideia saia praticamente anabolizada só pelo fato de estar nos Estados Unidos. Outra vantagem é que, como o dinheiro é maior, aumentam as chances de trabalhar com os melhores nomes do mercado”, aponta Segri.
Ambos torcem para que, neste ano, outros nomes brasileiros figurem entre os premiados de Cannes. “Praticamente todos os dias um brasileiro sai do País para outros cantos do mundo. Essa procura continua alta. O brasileiro é reconhecido não só pela criatividade, mas também pela paixão e entusiasmo em trabalhar com isso”, frisa Mattoso.
Gustavo Vampré, diretor de criação da australiana Host Havas, é um dos criadores do case “Palau Pledge”
Passaporte do sucesso
Outro case apontado por profissionais do setor como um dos favoritos em Cannes também tem mãos brasileiras. “Palau Pledge”, que estabeleceu uma nova regra para que turistas se comprometam a preservar o meio ambiente da ilha de Palau, localizada no Pacífico — e que já rendeu à agência Host Havas o Black Pencil do D&AD e um lugar no shortlist de Titanium — nasceu de um contato do brasileiro Gustavo Vampré, que há dez anos deixou o País para tentar a vida e a carreira profissional em Sydney, na Austrália. “Esse projeto veio por meio de uma antiga cliente, com quem tinha trabalhado na M&C Saatchi Sydney. Anos depois, ela se mudou para Palau, passou a trabalhar com o governo local e me passou um briefing para uma campanha de preservação ambiental”, conta Vampré. A partir da ideia, ele e a equipe da agência australiana desenvolveram um novo visto turístico para a entrada em Palau, que obrigada o turista a comprometer-se com a preservação dos recursos naturais.
https://www.youtube.com/watch?v=X-aWWM6Zhpo
Há dois anos na função de diretor de criação digital da Host Havas, o profissional habitou-se a atuar em um mercado bem menor e com diferente ritmo de criação. “A população da Austrália é pequena e, consequentemente, as verbas e demandas são menores. As grandes marcas acabam fazendo pouquíssimas campanhas por ano. O expediente é mais curto do que no Brasil e não há tanta obsessão por prêmios, mas por fazer trabalhos com potencial inovador ao longo do ano todo”, comenta Vampré, que também trabalhou nas australianas Clemenger BBDO (Agência do Ano no Cannes Lions 2017), BWM, Ogilvy e M&C Saatchi.
De Sidney, o profissional acompanhará o festival e vai torcer pelos trabalhos de sua agência em Cannes. Para ele, o fato de criativos brasileiros que trabalham em outros países estarem angariando tantos prêmios no evento é fruto, também, da possibilidade que a internacionalização criativa traz. “A grande vantagem de fazer trabalhos no exterior é que as campanhas geralmente abordam temas mais universais, o que obviamente acaba ressonando com um público mais abrangente”, diz. Independentemente de conquistar Leões, Vampré diz que já se sente colhendo os frutos de suas criações. “O melhor de tudo é saber que estamos protegendo um lugar maravilhoso e criando um ambiente melhor para as crianças do Palau crescerem”, frisa.