Patricia Moura: nossa existência e preparo
Patricia Moura, head of content da Gut, opina sobre falta de jurados negros no Cannes Lions e de que forma isso reflete o mercado publicitário
Patricia Moura, head of content da Gut, opina sobre falta de jurados negros no Cannes Lions e de que forma isso reflete o mercado publicitário
Thaís Monteiro
20 de junho de 2022 - 8h03
Anunciado o júri deste ano, a organização do Festival Internacional de Criatividade Cannes Lions foi criticada pela falta de jurados negros entre os brasileiros que estão definindo quem serão os ganhadores de Leões. Diante das críticas, o CEO do Cannes Lions publicou uma resposta endereçando a questão, admitindo que a organização errou na seleção dos jurados brasileiros e que está comprometida a ter júris mais representativos. Assim, o festival anunciou oito novos jurados para a fase de pré-avaliação remota dos cases.
Uma delas é Patricia Moura, head of content da Gut. Ela integra o júri de Entertainment. Ao Meio & Mensagem, Patricia opinou sobre a posição do festival, o que ela sinaliza sobre o mercado publicitário e de que forma se fazer presente nessa fase da avaliação dos cases simboliza existência, inspiração e reflete um simbolismo coletivo.
Meio & Mensagem – O que o fato do Cannes Lions não ter tido publicitários negros no seu júri brasileiro quando o divulgou diz sobre o mercado publicitário como um todo? Ou é algo que pode estar focado na organização do festival?
Patricia Moura – Acredito que a situação reflita o atraso que vivemos em termos de inclusão racial no país. Muito se fala sobre diversidade, mas poucas empresas e agências se comprometem e agem de fato para transformar a realidade.
M&M – O comunicado do CEO e a inclusão de mais jurados pretos no shortlist tem algum significado? Representa alguma evolução?
Patricia – Empresas racistas justificam sua inação com a falácia de que não existem profissionais negros preparados para assumir posições no topo da cadeia. A inclusão de seis jurados pretos no maior prêmio da publicidade mundial sinaliza tanto a nossa existência quanto o nosso preparo. Acredito que o movimento representa um primeiro passo no sentido da equidade, mas temos um longo caminho pela frente.
M&M – Como acompanhar essa promessa?
Patricia – Cobrando anualmente a representatividade de jurados e palestrantes dos eventos como um todo, não só de Cannes. O avanço em 2022 ainda não espelha o volume de pretos e pardos da população brasileira e também não garante que tenhamos representatividade sempre. Infelizmente, se não cobrarmos atitude das organizações, nada muda.
M&M – Fora do grupo de jurados, há representatividade nos cases e palestrantes?
Patricia – Como jurada de Shortlist de Entretenimento, eu só consigo opinar sobre cases da minha própria categoria e, sim, acho que houve um bom volume de histórias que representam as pessoas negras não apenas sob a ótica de suas dores e lutas, mas também de amores, cultura e vivências. Curiosamente, esse destaque se deu mais em âmbito internacional, do que nas peças que vi do Brasil, o que nos faz voltar a origem do problema: se não temos pretos na criação das agências, que tipo protagonistas estamos privilegiando? E quando retratadas pessoas pretas, elas estão sendo retratadas de que forma? Com ou sem o uso de estereótipos? A diversidade e a inclusão racial são as chaves para essas questões sempre. Sobre palestrantes, acredito que ainda há muito para melhorar, a começar por incluir mais speakers brasileiros.
M&M – Por que optou por aceitar o convite para fazer parte da avaliação de shortlists?
Patricia – Se não há pretos lá é como se nós, pretos, não existíssemos na indústria. Então, eu aceitei acima de tudo, porque eu tenho um propósito de ocupar o máximo de espaços que conseguir na publicidade. Sei o que isso significaria para a universitária que eu fui, que não tinha nenhuma figura semelhante para se espelhar no mercado e sei o que significa para jovens negras e negros que sonham com essa carreira hoje. Sei que a minha presença passa uma mensagem de que é possível chegar se eu cheguei. Ainda que o júri seja um papel e uma experiência individual, ela cria um simbolismo coletivo importante para muitas pessoas. E para além disso, é um enorme prazer para mim poder ter contato com peças de branded entertainment do mundo inteiro.
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