Comunicação

Marcello Serpa: “Como futuro, eu tenho o meu presente”

Publicitário fala sobre seus dois livros: uma biografia e outro que reúne seus principais trabalhos

i 5 de novembro de 2025 - 6h04

Depois de duas décadas afastado do mercado, quando deixou a sociedade da AlmapBBDO após 22 anos à frente da agência, Marcello Serpa lança, na terça-feira, 11, dois livros complementares. Sob o nome Vendo, as publicações se dividem entre a biografia do publicitário e uma reunião de peças de design gráfico, ilustrações, desenhos, pinturas, gravuras e outros projetos.

Marcello Serpa - crédito Andreas Heiniger

Marcello Serpa lança dois livros (Crédito: Andreas Heiniger)

O título é um jogo de duplo sentido entre o ato de vender, função central da publicidade, e o olhar, o que remete à formação em design e sua atuação na direção de arte. Os livros revistam a trajetória de Serpa, marcada pela transição de designer a publicitário e, por último, a artista visual.

Para isso, na biografia, o autor Julius Wiedemann realizou muitas horas de entrevistas e contou com depoimentos feitos por outras personalidades da propaganda. Em Vendo: Imagens, o publicitário reúne os principais trabalhos criados ao longo dos 45 anos profissão.

O projeto demorou em torno de dois anos para ser finalizado e saiu do papel após o retorno de Serpa ao Brasil, depois de uma temporada de sete anos vivendo com a família no Havaí. “Um livro explica e ilustra o outro. Se complementam. Foi essa a razão do projeto. Eu queria fechar esse ciclo da minha vida e precisava de uma coisa muito pessoal”, diz.

A partir disso, o livro visual reúne imagens desde a tese de formatura até o quadro mais recente pintado pelo publicitário, com “a propaganda sendo um dos capítulos” da jornada. “Acho que pode ter um valor bacana para uma geração que quer olhar para trás e ver como as coisas eram pensadas naquela época”.

Marcello Serpa: vida e obra

Nesta entrevista, o publicitário explica o processo de construção das publicações e analisa as principais mudanças na comunicação.

Capa do Livro Vendo, de Marcello Serpa

Nos livros Vendo, Serpa revisita trajetória profissional e reúne trabalhos de toda a vida (Crédito: Divulgação/StudioBeyz-ShutterStock)

Meio & Mensagem – De que forma é construída a sua biografia?

Marcello Serpa – Juntos, os dois livros representam o fechamento de um ciclo de dez anos. A biografia, é importante dizer, não é um livro sobre a história da propaganda brasileira, nem sobre como a comunicação deveria ser. Em momento algum, o livro vai definir ou refazer a antologia da propaganda brasileira. Não é nada disso. É uma visão muito pessoal sobre um momento de vida. É algo da terapia para a livraria. É lógico que tem muita coisa dos processos criativos, que pode interessar muita gente, mas é sempre sob um ponto de vista muito pessoal.

M&M – Na segunda publicação, como foi o processo de curadoria das imagens? Houve algum critério emocional ou conceitual?

Serpa – As duas coisas. São trabalhos que tive um prazer enorme em fazer. Lógico, tem um critério que todo publicitário deveria ter na hora de julgar um trabalho, que é o critério do tempo. Ou seja, o teste principal de um trabalho bem-feito é se, mesmo criado há 20 anos, se exposto, ainda tem alguma relevância, se ainda provoca uma dilatação da pupila. Então, de forma inconsciente, fui curando o trabalho em função disso: quais os trabalhos que, se eu publicasse hoje, ainda me deixaria extremamente feliz.

M&M – Olhando para o cenário atual, o que você considera que mais mudou na publicidade desde o período em que você estava ativo no mercado?

Serpa – Tenho uma dificuldade enorme de parecer ressentido, porque quem vive do passado é museu. É uma dinâmica completamente diferente, mas uma mudança muito forte é que o criativo, no passado, de uma maneira bem prepotente, buscava ideias que fossem para sempre. Eles procuravam ideias que fossem definitivas, que definissem a marca e que tivessem uma vida muito longa. Hoje, com a fragmentação completa das mídias – que chamo de queda do Império Romano –, não existe mais uma coisa centralizada. Existem agora vários cantinhos, vários filtros muito interessantes, coisas muito bacanas. O conteúdo é efêmero. Você cria uma coisa que pode ser absolutamente brilhante, mas que vai ter uma vida curta. Antigamente, era a vida do elefante e, hoje, é a vida do mosquito. Então as campanhas, durando muito pouco tempo, nada fica muito tempo na memória das pessoas. E, realmente, as mídias sociais não deixam espaço para as pessoas guardarem conteúdos durante muito tempo. Então, a construção da memória afetiva é muito mais difícil do que jamais foi.

M&M – Nessa realidade fragmentada e marcada por decisões tomadas a partir de dados, muito se fala sobre o medo de errar. Esse cenário, na sua opinião, afeta a busca da grande ideia?

Serpa – Essa é uma contradição em si mesmo, porque, no passado, trabalhávamos com pesquisa de mercado e os clientes também tinham muito medo de errar, porque o custo de uma inserção era muito maior, o que não é assim hoje. Naquela época, os clientes tinham muito medo de estar gastando e não ser eficaz com aquela campanha. Isso tolhia muito o trabalho. Essa era a reclamação do passado e, mesmo assim, saíram campanhas sensacionais. Hoje, isso é quase um paradoxo, porque o preço da mídia é muito baixo. O custo de experimentação é muito baixo e os efeitos negativos que uma campanha possa ter podem ser rapidamente dissipados. Acredito que é o melhor momento da propaganda para se fazer experimentação. Então, não faz sentido a tecnologia inibir a criatividade. Pelo contrário, ela poderia ser uma alavanca absurda. Mesmo assim, as pessoas reclamam que a tecnologia está inibindo a criatividade. Duas duas coisas: ou tudo inibe a criatividade ou os criativos e as agências são reclamões que reclamam de qualquer coisa.

M&M – Por fim, o que planeja para o futuro?

Serpa – Como futuro, eu tenho o meu presente. Descobri que, nos últimos dez anos, em que estou criando meus projetos pessoais, como capas de livros e NFTs, continuo fazendo exatamente a mesma coisa que eu fazia deste moleque: desenhar, criar e pintar – às vezes para clientes, às vezes para mim mesmo. Então, eu não mudei. Sigo fazendo a mesma coisa, mas, agora, o briefing é outro, vem de dentro e não de fora.