O que faz um comitê de diversidade nas agências?
Em diferentes estágios de aprendizado, grupos tentam propiciar times, ambientes, projetos e campanhas mais diversas dentro das empresas do segmento
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Renato Rogenski
20 de janeiro de 2021 - 6h00
Perceber a diversidade como um requisito crucial para a construção de um ambiente com ideias mais plurais e potentes é quase um consenso na indústria criativa. Mas, se na teoria ter um time diverso é aparentemente vantajoso do ponto de vista social e econômico, na prática, o ambiente das agências durante muito tempo não refletiu essa multiplicidade em suas equipes.
Para sair do discurso e ir para a ação, nos últimos anos as agências têm criado comitês, programas e cargos que caminham em direção a essa reparação histórica. Pesquisas e estudos recentes mostram que o caminho dessa construção entre as agências e os grupos minorizados ainda é longo. Como consequência natural de uma evolução descompassada, cada empresa ainda está em um estágio diferente desse processo de aprendizado.
Entender as dinâmicas, o ritmo e a efetividade desses grupos de trabalho atuando no dia a dia é um ponto essencial para o mercado publicitário assimilar algumas práticas e corrigir a rota de outras. Abaixo, algumas agências revelam como atuam seus comitês, quem está no comando, quais são os seus projetos e qual é a relevância de todo esse processo.
Cultura interna
Espelhando a sua estrutura global, a VMLY&R não tem no Brasil apenas um coletivo, mas uma diretoria específica, com pessoas contratadas para tocar exclusivamente as demandas de diversidade. Hoje o diretor da área de Diversidade, Equidade & Inclusão é Jeferson Martins, que está na agência desde 2018, e já era um catalisador das ações antes de assumir exclusivamente a função. O profissional responde diretamente para a estrutura de recursos humanos da região Latam e para a diretoria global de Diversidade, Equidade & Inclusão da VMLY&R.
Segundo Jeferson, a agência trabalha em diversos projetos que cobrem as questões de raça e etnia, equidade de gênero, comunidade LGBTQIA+, pessoas vivendo com deficiência, pessoas vivendo com HIV, populações em vulnerabilidade e periféricas. Um dos programas que ganhou maior escala nos últimos tempos é o Escola RUA, uma escola de criatividade para jovens de universidades periféricas e em situação de vulnerabilidade, que foi idealizada por Felipe Silva, redator da agência, e incubada e patrocinada pela VMLY&R.
Além de educação, o projeto promove relacionamento para os estudantes, e disponibiliza toda a infraestrutura necessária para o curso, desde computadores, alimentação, ferramentas e uma bolsa auxílio. De acordo com Jeferson, 10 dos 12 estudantes formados em 2020 já estão trabalhando em grandes agências do mercado, e a próxima turma começa em 2021.
Segundo o profissional, todas as ações foram criadas quando a agência possuía apenas um coletivo de diversidade e, hoje, com uma diretoria dedicada, terão muito mais capilaridade, com estrutura para todas as esferas. “Essa gama de opções e de frentes está diretamente ligada com a estratégia de negócio da agência, e mora no coração da cultura interna. A área está cada vez mais envolvida em cada projeto que entregamos aos nossos clientes, concorrências, relacionamento com as principais associações e nossos fornecedores”, afirma Jeferson.
Pilares em ação
O Comitê da Diversidade, Equidade e Inclusão da FCB Brasil é um movimento da FCB Global, que desde 2018 tem atuação local nas agências do grupo. A estrutura trabalha com foco em quatro pilares. O primeiro deles é cultura, onde a ideia é pensar, propor ações e disseminar a cultura da inclusão, diversidade e equidade dentro da agência. O segundo é comunidade, que consiste em promover esforços que impactem positivamente o ambiente externo de atuação da agência.
O terceiro é carreira, focado em atuar nos desafios de aquisição, retenção e promoção de talentos que representem a realidade brasileira. Por fim, o quarto pilar está calcado na manutenção de um time de consultores para questões relacionadas a diversidade, inclusão e equidade para todas as áreas internas da FCB e nos trabalhos que são entregues para os clientes.
O diretor de planejamento da FCB, Rafa Martins, é o líder do Comitê desde o início de 2020. O grupo é formado por 45 membros voluntários, funcionários da FCB de todos os departamentos. Internamente, os colaboradores se dividem em quatro subgrupos para questões específicas: FCB Pretos, FCB LGBTQIA+, FCB Mulheres, FCB Essenciais.
Segundo a agência, o comitê auxilia no desenvolvimento do processo de recrutamento, que hoje tem como obrigatoriedade incluir pelo menos um candidato negro entre os três finalistas, por exemplo. Também em parceria com o departamento de recursos humanos da empresa, a equipe atua na implantação e acompanhamento do Programa de Mentoria com criativos negros e estagiários do FCB Brains.
“Por ter uma organização global, o Comitê e a FCB Brasil tem um plano de ação e metas anuais a cumprir. Isso torna constante as trocas e a consequente influência do Comitê nas tomadas de decisão da FCB. Não só para promoção de um ambiente mais representativo e nas políticas de equidade e inclusão, mas também na mentalidade de toda agência e nos trabalhos que desenvolvemos com nossos clientes”, explica Rafael Martins.
Trabalhar no mindset
A Wunderman Thompson afirma que o tema diversidade é tratado de maneira transversal, permeia toda a estrutura da agência e está na pauta da liderança. Por esse motivo, em vez de um comitê, a empresa diz trabalhar com um coletivo para tratar o tema. Nele, as pessoas da agência não apenas trazem as pautas, como participam dos projetos que são colocados em prática.
Ao longo dos últimos anos, dois dos projetos mais importantes da agência nasceram de movimentos do coletivo de diversidade: o Manual Agência Sem Assédio, lançado em 2018, e o Manual Agência Sem Racismo, lançado em 2020. Diferentemente das outras agências, na Wunderman Thompson esse coletivo não tem vínculo com o RH ou com qualquer outra área. “Na nossa visão, qualquer coletivo de diversidade precisa ter autonomia e liberdade. O objetivo é provocar discussões relevantes, apontar novos caminhos e trazer propostas, como foi o caso dos manuais (Assédio e Antirracismo), que passaram a ser os manuais de conduta da agência”, ressalta Pedro Reiss, CEO da empresa.
Vale lembrar que a Wunderman Thompson foi uma das pioneiras na criação de um projeto por mais diversidade na propaganda brasileira, com o Programa 20/20, lançado em 2017 e que elevou de 3% para 25% o número de profissionais negros na agência. “Podemos dizer que o primeiro coletivo de diversidade foi criado por aqueles 10 jovens negros que iniciaram o 20/20. A partir daquele momento passamos a ouvir a aprender com eles diariamente e o tema da inclusão racial passou a fazer parte da mentalidade da agência”, pontua o CEO.
O executivo afirma ter ciência, no entanto, que o caminho pela frente ainda é longo. A agência redefiniu a meta de negros e negras no time para 56%, que é o índice da população negra no Brasil, segundo o IBGE. Em março de 2021, a agência também pretende lançar o programa Lideranças Negras WT, com a meta de ter 30% da liderança da agência formada por profissionais negros em três anos.
Fomentar a inclusão
Na semana passada, o grupo Ogilvy anunciou o profissional James Kinney como seu novo global chief diversity, equity & inclusion officer. O executivo será parceiro das lideranças em toda a rede globalmente. Sua missão é ajudar a desenvolver práticas, diretrizes e programas que fomentem a cultura da inclusão e do pertencimento. James também assumiu o cargo de chief people officer para a América do Norte, com o intuito de fortalecer o propósito de acolhimento em todas as operações da rede.
No Brasil, a Ogilvy conta também com o Somos. O grupo nasceu em 2017 com o objetivo de olhar de forma macro para a pluralidade e inclusão. Em 2018, o comitê iniciou parceria com a Universidade Zumbi dos Palmares para aumentar a contratação de jovens negros e negras, passou a propor processos seletivos as cegas, além de publicar vagas exclusivas para esse público.
Em 2020, a Ogilvy firmou patrocínio ao prêmio “Sim à Igualdade Racial”, promovido pelo ID BR (Instituto Identidades do Brasil). Também a partir do Somos, hoje a agência abriga o coletivo “Eixo Benguela: negros da Ogilvy em movimento”, que surgiu organicamente e que se propõe a discutir e compartilhar questões pertinentes ao movimento negro, de forma analítica e aprofundada. “Nosso propósito é ser esse lugar seguro para repensar uma publicidade mais inclusiva”, diz Luma Oliveira, account & project executive na Ogilvy Brasil
Vale lembrar que, em 2019, FCB, Ogilvy, VMLY&R e Wunderman Thompson assinaram, junto com outras agências, o pacto com o Ministério Público do Trabalho para a inclusão de mais profissionais negros no mercado de trabalho. Como meta, essas empresas se comprometeram a ter pelos menos 30% de jovens negros e 20% de profissionais de média e alta gerência negros em suas contratações.
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