Comunicação

Como as agências estão precificando a inteligência artificial

Adoção da tecnologia abre oportunidade para as empresas de comunicação revisarem seu modelo operacional

i 9 de julho de 2025 - 7h12

IA nas agências

O que a precificação da IA significa para a compensação da indústria (Créditos:Shutterstock)

Com informações do Ad Age

A inteligência artificial pode ser a catalisadora para que as agências tradicionais finalmente mudem seu modelo de compensação.

A ferramenta, que as agências estão correndo para adotar, promete diminuir drasticamente o tempo gasto na produção de campanhas, bem como o número de pessoas necessárias para o trabalho (queiram os executivos admitir ou não).

Essas facilidades dão fim a dois itens que as agências usam para precificar seus serviços: horas trabalhadas e custo por pessoa.

Por anos, defensores da mudança do modelo tradicional de pagamento vêm pedindo que a indústria adote formas mais modernas de compensação, como preço baseado em performance ou valor.

Um grupo crescente de agências independentes já tiveram sucesso na mudança do modelo de compensação. Mas algumas pessoas na indústria acreditam que a IA vai forçar todas as agências a buscarem novos métodos de pagamento.

“A inteligência artificial é uma grande onda e todo mundo está na água,” conta Howard Moggs, fundador e CGO da Uncommon, ao Ad Age. “Muitas pessoas estão olhando e pensando ‘Ah, não! Eu não sei o que fazer’, só que se essas pessoas não se moverem, vão se afogar nessa onda. Enquanto isso, várias pessoas estão pegando suas pranchas de surf e encarando a água: ‘Vou usar isso para me colocar à frente da concorrência’.”

“Você tem que olhar para essa situação de modo abrangente, e não apenas ‘como isso vai mudar meu modelo de precificação?’. E o modelo operacional? Onde está o valor?,” acresenta.

Segundo alguns entrevistados, a mudança precisa ser urgente, conforme a IA revoluciona o mercado publicitário.

No festival de Cannes, foi possível ver que várias agências mudaram radicalmente seu modelo operacional, dado que muitas se reposicionaram como empresas de tecnologia AI-powered.

Algumas agências parecem estar à frente da concorrência no que se trata de operação e precificação de serviços em um mundo guiado pela IA — elas estão aprendendo e testando.

Outras agências nem sabem por onde começar. Para ajudá-las, o Ad Age criou um guia sobre como começar precificar serviços impulsionados por IA, baseado em opiniões de consultores e executivos que atuam na área.

Precificação de produto

Ao passo que as agências estão correndo para construir uma nova stack de tecnologia de IA, elas precisam criar uma “stack para precificar produtos,” diz Tim Williams, sócio-fundador da Ignition Consulting Group, ao Ad Age.

Willaims diz que um caminho é precificar a proprietária de ferramentas de IA com a qual estão criando.

“É aí onde as agências desenvolvem seus produtos proprietários com a IA atuando no fundo, e elas cobram apenas pelo produto, não pelo time e pelas horas de produção,” conta.

Outro caminho é precificar com base no desenvolvimento de serviços AI-as-a-service (AIaaS). “É a ideia de que a agência licencie um plataforma impulsionada por IA, na qual os clientes podem se inscrever,” explica Williams.

Ele também apontou para a agência Known e seu serviço de inscrição para a Skeptic AI – que foi treinada com dados de mais de 1,8 milhões de micro-campanhas.

“Até este ano, a plataforma foi utilizada apenas pelos times de criação, mídia, pesquisa e estratégia da Known,” conta Ross Martin, presidente da agência, ao Ad Age. “Em 2025, a Skeptic foi disponibilizada para clientes, que podem licenciar através de ima inscrição ou através de um serviço gerenciado pelos especialistas da Known.”

Williams diz que as agências devem começar a reimaginar seus serviços como “produtos e pacotes de soluções”. Mas é típico que os executivos comecem a surtar quando têm que refazer seu modelo de compensação.

Ele acrescentou, ainda, que o pensamento típico dos líderes de agências é “se não temos controle do tempo e não temos cartão de ponto, como vamos saber o modo que os colaboradores gastam seu tempo?”

Existem ferramentas – como Scope Better – que auxiliam companhias, incluindo agências, a precificar seus serviços como se fossem produtos.

Williams diz que sua empresa sempre auxilia as agências a organizar o que ele chama de “conselho de valor”, composto por executivos que podem lidar com questões como a criação de “produtos e programas que representam coisas que os clientes não podem fazer sozinhos,” o que pode ser precificado como “premium”.

“Muitas agências ainda operam no modelo ‘grande máquina, pequeno cérbero’, em um tempo em que precisamos nos apresentar como ‘grande cérebro, pequena máquina’,” afirma Williams. “Organizações clientes podem adotar uma ampla cartela de ferramentas para criar sua própria ‘máquina’. A missão das agências é direcionar o tempo economizado pela IA para se tornar um ‘cérebro’ mais forte e melhor.”

“Talento e máquina”

A Monks foi uma das primeiras agências a adotar a IA – com a ferramenta Monks Flow. Durante o festival de Cannes, os executivos deram aos clientes apresentações detalhadas de seus novos recursos de IA, em particular sobre como os agentes de IA podem otimizar operações.

A Monks testou diferentes modelos de precificação, de acordo com Wesley ter Haar, cofundador, CRO e CAIO da agência. Ele disse que o modelo mais bem-sucedido é precificar com base em “talento e máquina”, versus o modelo tradicional de “tempo e material”.

É similar a uma taxa de inscrição, de acordo com ter Haar, destacando que é um preço fixo baseado em pacotes que avaliam pessoas + capacidade de IA.

Por exemplo, um cliente está utilizando o Monks Flow para marketing por e-mail, e o profissional de marketing recebe “e-mails infinitos” criados para isso, supervisionados por “pessoas boas e inteligentes”, por um preço fixo. Ter Haar explica que a Monks entrega ofertas similares para criação de conteúdo.

“Não estamos mostrando a avaliação de pessoas versus custo de computador; estamos fazendo um pacote disso,” diz ao Ad Age. “É um método popular atualmente. O que antes era feito por meio de contratos de retenção, agora está sendo oferecido em formatos com taxas fixas.”

O preço do talento

Mesmo que a IA tenha impacto negativo em alguns cargos – que inevitavelmente serão eliminados -, os talentos de alto nível ainda são importantes e cada vez mais valioso no cenário em expansão.

A Monks nem sempre tem sucesso em convencer clientes a seguirem a rota de precificação baseada em resultados ou metas de KPIs alcançados. No entanto, quando conseguem, podem “liberar margem” em seus talentos seniores ao atingirem certas metas para o profissional de marketing, disse ter Haar.

Neste cenário, a Monks pode dividir o custo de sua equipe, o que não aconteceria tipicamente no modelo de pacote mencionado anteriormente. Depois, ela poderia definir junto ao cliente certas metas de KPI para que sua equipe atinja. Se conseguirem, a agência fica com a margem.

“É um bom modo de mostrar compromisso à convicção de que nosso modelo performa melhor que os métodos tradicionais de trabalho,” conta ter Haar. “Nossos clientes ainda querem ótimos times e eu acho que, como uma agência, nosso diferencial em relação aos softwares disponíveis no mercado deve ser a qualidade dos nossos colaboradores. São eles que fazem a máquina funcionar.”

Christine Moore, sócia da Raus Global, percebe que os custos das agências estão aumentando, inclusive devido aos talentos que cuidam nas tecnologias da IA. Ela disse que os talentos seniores estão ficando caros e, em alguns casos, ela está vendo empresas cobrarem mais por horas – já que passaram a dedicar menos tempo aos projetos.

Moggs criticou agências que respondem à chegada da IA com o aumento do custo das horas trabalhadas. Ele disse que elas ainda não aprenderam a se adaptar, e estão agindo como se tivessem sido pegas de surpresa.

Qual seu valor?

Moggs é um defensor da precificação baseada em valores ou resultados.

Ele há tempos encoraja agências a se posicionarem com base em um KPI específico que estão acostumados – como aumentar a lealdade para os anunciantes -, e depois precificarem baseado nesse valor.

Precificação baseada em resultados ou em valores é outra solução no novo pacote de Williams — cobrando com base no alcance de certas métricas, apoiado pelo poder da IA. Ele disse que é um modelo poderoso que as agências estão adotando cada vez mais.

“Elas apenas dizem ‘vamos otimizar esse processo inteiro usando ferramentas de IA e nós vamos fazer nossa compensação em forma de aumento de vendas, de reconhecimento de marca e cliques,” conta Williams.

A agência Markacy adotou a precificação baseada em resultados, de acordo com Ryan Mason, presidente e COO. “Nós não vemos a IA como uma categoria de ferramenta que pode ser cobrada, mas sim como algo usado para realizar entregas rápidas e melhores para nossos clientes,” afirma Mason. “Os negócios não querem ter que pagar pela IA, eles preferem pagar pelos resultados que a IA desbloqueia.”

Neste novo mundo impulsionado por IA, muitos dos entrevistados afirmam que as agências devem focar no valor que entregam aos clientes e depois colocar um preço nisso.

“A IA está expondo o desalinhamento fundamental entre o valor que as agências entregam e como elas cobram por isso,” conta Brian Kessman, fundador e consultor na Lodestar Agency Consulting. “Não podemos mais precificar com base em tempo, agora a meta é precificar com base em resultados e valor. Ao fazer isso, o preço se torna o último passo em uma transformação de três etapas: posicionamento, produto e precificação.”

A solução de Kessman (observada no gráfico abaixo) significa que as agências devem: definir seu valor baseado na expertise específica que elas entregam, transformar essa expertise em soluções escaláveis — como IP licenciado e ofertas baseadas em IA — para aí sim criar o preço, “ancorado nos resultados que foram criados”.

Lodestar agency consulting

(Créditos: Divulgação)

Questões de custo

Existe uma série de argumentos sobre se a IA deveria resultar em descontos para os clientes.

“Como as agências devem cobrar pela IA? Elas não deveriam,” diz Moggs. “Elas deveriam cobrar baseado no valor projetado dos resultados entregues. Ao invés de uma ameaça, ela se torna uma arma. Permite que agências resolvam problemas de maneira mais eficiente. Só porque fazem uso da ferramenta, não significa que estão entregando menos valor nos resultados para os clientes.”

Alguns dos entrevistados afirmaram que ser capaz de repassar parte dos custos economizados pelo uso da IA para os clientes vai determinar quais agências vão ser bem-sucedidas em conquistar novos negócios daqui para frente.

“Os clientes estão cada vez mais pedindo as agências para explicar como estão implementando a IA, esperando que as agências passem alguns dos resultados sem necessariamente se preocupar em como esses resultados são alcançados,” diz Roch Glowacki, gerente associado da firma Lewis Silkin. “Em um futuro próximo, as agências que integrarem IA de maneira a manter qualidade de resultados e reduzir custos terão vantagens.”

Mas IA nem sempre é sinônimo de economia.

Aaron Edwars, CEO da agência The Charles Group, citou um caso logo no início da adoção de IA generativa pela agência. Ele disse que a agência acabou gastando mais em um projeto utilizando a IA para “construir a campanha toda” do que teria gastado com os artistas que usam CGI ou VFX.

Isso se deu porque a IA generativa era boa em criar imagens, mas a tecnologia não podia fazer edições simples, o que forçou a agência a regenerar partes da campanha.

As agências vêm sendo pressionadas por margens cada vez menores há anos, com alguns contratos sendo concedidos com base em quão baixas são suas taxas.

“Ao colocar um preço baseado em tempo e esforço, entregas mais rápidas devem significar preços mais baixos. É a lógica de resultados baseada no modelo de esforço, e os clientes não estão errados em pressionar nesse sentido,” conta Kessman. “Isso é especialmente problemático para agências que ainda estão vendendo expertise do mesmo modo que seus concorrentes: como um menu de capacidades e serviços com customização para cada projeto. Essa estrutura torna mais fácil para os compradores compararem empresas e negociarem custos.”

Muitos dos entrevistados disseram que, para as agências sobreviverem, elas precisariam adotar um novo modelo de compensação, mais rapidamente do que o setor como um todo está preparado para fazer.

“A IA vai acelerar essa tendência como nunca vimos antes,” conta Williams. “Minha previsão é que, nos próximos 18 a 24 meses, não terão mais agências cobrando pelo tempo.”