Como as marcas enfrentam temas polêmicos
Em vez de discursos neutros, marcas assumem ainda mais posicionamentos em tempos de polarização, impactando estratégia das agências

Campanha de final de ano de Bradesco teve como tema central inclusão e narração da drag queen Gloria Groove (crédito: divulgação)
Nunca o zeitgeist foi tão crucial para as marcas. A palavra alemã, que significa “o espírito da época”, o termômetro do que está acontecendo na cultura e na sociedade em um determinado tempo, é algo esperado das marcas que querem estar inseridas nas conversas das pessoas. E os tempos são de polarização: de um lado, o avanço da sociedade sobre pautas progressistas como a igualdade de gênero; de outro, a retomada de valores conservadores e protecionistas. Aplicado à publicidade, o atual contexto demanda discursos contundentes das marcas e, consequentemente, o olhar atento de suas respectivas agências.
Ao assumirem posicionamentos por vezes antagônicos ao de um grupo de consumidores, anunciantes devem avaliar, previamente, o teor da mensagem e dos riscos envolvidos, seja sobre o awareness ou sobre o ponteiro das vendas. E isso exige das agências um trabalho ainda mais atento, estratégico e ágil junto aos clientes. O tipo de comunicação criada pela Publicis para alguns de seus principais clientes atualmente estaria fora de cogitação alguns anos atrás, avalia Eduardo Lorenzi, presidente da agência. “Durante muito tempo, não se entrava em alguns assuntos porque desagradaria metade dos clientes. Hoje, digo que qualquer situação que indique que que a marca deveria seguir o caminho contrário, é na contramão que se deve investir. Que as marcas invistam ainda mais no discurso contemporâneo, pois não se trata de algo vanguardista, é uma mentalidade que não deveria retroceder nunca mais”, afirma.
Uma grande e ramificada fonte dessas temas de interesse são as redes sociais. “Se por um lado, as redes sociais deram voz a todos e democratizaram o mundo, por outro, o único jeito de agradar a todos é ficando calado. Isso vale para marcas. Isso vale para pessoas. Tornar pública uma opinião, nesse cenário, sempre envolve riscos”, comenta Pedro Prado, diretor de criação da F/Nazca. Porém, por mais que as marcas já estejam inseridas nessas plataformas, ainda existe o desafio de acompanhar mudanças minuto a minuto – das próprias tecnologias e das conversas. E,
talvez mais desafiador do que isso, é conseguir ganhar destaque dentro de uma nova realidade, em que a concorrência deixa de ser apenas a marca do mesmo segmento para se estender ao meme, à série, à notícia e ao feed do amigo. “Que convenhamos, via de regra, é muito mais interessante que publicidade. Sobretudo publicidade vazia, insossa ou invisível”, avalia Prado. Recentemente, a agência criou, para Trident, uma ação que reagiu à fala da ministra dos Direitos Humanos Damares Alves de que meninos vestem azul e meninas vestem rosa. A marca publicou uma imagem com embalagem das duas cores acompanhada pela mensagem “Você escolhe e Trident apoia sua liberdade”.A incursão em temas polêmicos não se restringe a marcas como Coca-Cola e Trident, cujo apelo ao público jovem é considerável. Anunciantes de segmentos mais conservadores, como o financeiro, também estão empunhando bandeiras. A campanha de final de ano do Bradesco, “#2019FaçaAcontecer”, abordou a inclusão por meio de uma animação narrada pela drag queen Gloria Groove. Lorenzi conta que a ideia foi conversada abertamente com o banco e a estratégia discutida pela agência e por toda a equipe do anunciante. “Todo mundo sabe que esse tema não é comum na comunicação de banco, mas todos abraçaram essa decisão”, conta. Para Prado, se a ideia é entrar na conversa e ser relevante, as marcas precisam encarar o risco. “Precisam aguentar a pressão. Precisam ter coragem. O risco oposto é, a meu ver, muito maior: o de ser irrelevante, o de virar paisagem”, afirma. Lorenzi concorda: “Ideia muito boa não é muito fácil nem de vender e nem de aprovar. A gente não deveria se contentar com o que é morno. O trabalho deve fazer a diferença e não passar desapercebido. O que a gente tem visto é que tem surgido efeito”, opina.
Na prática, o que muda na forma com que as agências trabalham um case, especificamente quando é algo que vai ser veiculado nas redes sociais, é avaliar, em tempo real, os possíveis riscos e preparar previamente diretrizes de moderação. É preciso pensar com responsabilidade em como vamos reagir, responder e interagir com o consumidor de um jeito rápido e efetivo, como os canais demandam”, explica Prado.
*Crédito da imagem do topo: Divulgação