Bati na porta e entrei

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Opinião

Bati na porta e entrei

Expressar a opinião e assumir o lugar de voz dentro das conversas são os primeiros passos para a mudança


6 de março de 2020 - 18h41

(Crédito: uzenzen/istock)

Construí minha carreira em agências de eventos e live marketing, um ambiente com presença razoável de mulheres. Que ótimo. Mas, é comum que a maioria das mulheres na liderança nessas agências esteja concentrada nas equipes de atendimento, talvez até pelo estereótipo de relacionamento com o cliente. Meu objetivo sempre foi crescer dentro da área de produção. Justamente produção, a área mais técnica de uma agência, ligada à mão de obra mais “pesada”, montagem, execução, detalhamentos, conhecimentos específicos de construtivo, minúcias técnicas e todas atividades comumente relacionadas ao “masculino”.

Em toda minha carreira, conheci poucas heads de produção do sexo feminino, mas isso não me fez desistir de crescer, chegar onde estou e saber que vou além. Hoje, tenho a felicidade de trabalhar em uma empresa que não faz distinção entre gêneros, raças, orientações sexuais. Fui contratada pelo que sou como profissional, pela minha experiência, meu jeito de trabalhar e posicionar. Ao meu lado, tenho a sorte de ter outra mulher em posição de liderança. Mas, infelizmente, ainda somos exceção no mercado.

Claro que, se olho para o passado, uns dez anos atrás, era pior. Naquela época, os fornecedores contratados não sentiam credibilidade em serem liderados por uma mulher, atender as orientações de bom grado, sabendo serem as melhores decisões e seguir minhas instruções. Dentro das agências, vivi algumas vezes situações em que alguém dizia “melhor validar com o fulano, ou chama fulano, precisamos de cabeças pensantes”, como se um profissional homem, na mesma posição, estivesse mais apto a trazer ideias e fazer considerações do que eu. O mindset desse mercado foi construído com homens na liderança e mudança de mindset não é fácil.

Na minha percepção, a realidade é outra, mas ainda não é ideal. Atualmente, ainda há problemas dentro das agências, mas isso também é nítido quando falamos de produção em reuniões com os clientes. Em algumas reuniões que participo em um cliente, é nítido o estranhamento que causo por ser técnica e ter conhecimento de assuntos específicos em relação ao detalhamento e execução dos eventos. É como se existisse uma condição que assuntos técnicos devem ser ditos pelo sexo masculino. Depois de alguns minutos, mostro meu conhecimento, minha experiência, e rapidamente o clima e a percepção mudam, mas existe um pré-conceito instalado que gera uma primeira prova de resistência. A resistência está no padrão que a sociedade construiu em que existem alguns cargos para homens e outros para mulheres.

Através da persistência fui conquistando meu espaço demonstrando competência, aprendi a me posicionar de maneira diferente e, também, bati na porta e lembrei que eu estava lá. Em alguns momentos, surgiam piadas machistas, impunham ideias das quais eu discordava, criavam situações incômodas: eu falava “opa, estou aqui e não achei legal”, “gosto disso e não gosto daquilo”. Expressar a opinião e assumir o lugar de voz dentro das conversas são os primeiros passos para a mudança.

Eu tenho a felicidade de ter um histórico familiar com mulheres que venceram barreiras profissionalmente e perseguiram seus sonhos. Minha mãe, por exemplo, graduou-se em direito, migrou de profissão e ocupou cargos de liderança dentro da área de hotelaria e, posteriormente, em eventos. Ela sempre me disse: “Eu posso chegar onde eu quiser”. Não é o gênero, raça ou outra questão não relacionada à capacidade profissional que podem me impedir nessa jornada.

Para uma mulher negra, brasileira, talvez isso não seja tão comum: ter exemplos e vozes dentro de casa como referência, especialmente quando somos jovens, que nos apoiam a enfrentar padrões consolidados na sociedade, que nos mostram como transpor essas barreiras. Bater em portas fechadas exige muito mais do que competência. Exige coragem, vontade e autoconfiança. Participo de ações com jovens e, para eles, tento dar o mesmo estímulo que recebi. Acredito que seja a melhor maneira de apoiá-los nos seus futuros, pois os encoraja a buscarem seus sonhos e trazerem para si a responsabilidade sobre a construção de suas carreiras.

Nada tem o direito de ditar quem nós podemos ser, a não ser os limites que nós mesmos nos impomos. Nós mulheres, somos, podemos e devemos lutar pelo reconhecimento e pela liderança.

**Crédito da imagem no topo: Miguel Bruna/Unsplash

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