Opinião
Lições de um futuro que não aconteceu
Próximos cem dias de inovação irão acontecer durante essa quarentena global e cabe aos olhares mais atentos capturarem os sinais de mudança que emergem diariamente
Próximos cem dias de inovação irão acontecer durante essa quarentena global e cabe aos olhares mais atentos capturarem os sinais de mudança que emergem diariamente
Eventos que reúnem inovadores, pensadores e empresas para debater novos produtos e serviços são fontes muito ricas de tendências para pesquisadores. Frequentar festivais como o MWC ou SXSW é ideal para coletar os “sinais de mudança” e escutar diretamente aqueles que estão estudando e coletando esses sinais. Porém, em 2020, esses profissionais conectados ao “futuro” foram pegos de surpresa ao ver que todos os eventos nos quais haviam confirmado presença iam sendo cancelados um após o outro. Como capturar tendências fora desses grandes encontros internacionais? Estávamos todos cegos a essas mudanças bruscas o tempo inteiro?
A resposta para essa última pergunta é sim e não. Quem ajuda a entender essa questão é o economista Nassim Nathan Kaleb, em seu livro A Lógica do Cisne Negro. E é exatamente dessa maneira que acontecem esses eventos “Black Swan”: mesmo aqueles acostumados com a criação de cenários futuros são confrontados com a realidade de que a história não é linear e pode ser muito mais imprevisível do que gostamos de admitir. A pandemia do novo coronavírus (Covid-19), que se mostrou um problema muito mais impactante do que apenas um cancelador de festivais de inovação, é uma oportunidade para repensar todas as organizações sociais do mundo, uma vez que vemos diversas estruturas abaladas pelas suas consequências. Por mais que eventos “Black Swan” como este sejam extremamente raros, eles evidenciam a fragilidade das crenças e estruturas criadas por humanos. Essa lógica do imprevisível faz com que o desconhecido se torne muito mais relevante do que já sabemos. Estamos sempre vulneráveis a eventos como este e preparar-se para eles ou prevê-los é praticamente impossível.
Diversos estudos sobre inovação chegam à mesma conclusão: para gerar ideias criativas, é preciso de restrição e diversidade. Por mais que festivais de inovação consigam concatenar diversas ideias por sua capacidade de unir diferentes cabeças pensantes em um só local, a pandemia já está nos confirmando a velha máxima que é na adversidade que o humano, verdadeiramente, cria soluções inovadoras. Os próximos cem dias de inovação irão acontecer durante essa quarentena global e cabe aos olhares mais atentos capturarem os sinais de mudança que emergem diariamente. Já conseguimos sentir na pele diversos sinais diferentes: seja a transição para o trabalho remoto, a adaptação de políticas econômicas ou até mesmo a emergência de movimentos sociais no digital, a maior certeza que temos é que estamos em um ponto de inflexão muito profundo.
Brené Brown, uma das atrações mais esperadas do SXSW que não aconteceu, sabiamente ensinou no SXSW do ano passado sobre o poder da vulnerabilidade. Milhares de pessoas iriam até o evento deste ano para ouvir sua palestra, porém, vemos que a humanidade está vivenciando na prática as suas palavras. E talvez seja essa vulnerabilidade que a pandemia nos trouxe o combustível que faltava para a criação de um futuro mais desejável. Muito mais do que apenas escutar sobre o futuro, vemos que é uma construção coletiva que acontece no presente. Nada será igual após esses cem dias de festivais que não aconteceram, porém, o novo futuro que se abriu pode ser muito mais inovador do que o futuro que deixamos para trás.
*Crédito da foto no topo: Feja/ iStock
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