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Opinião

Análise: A nova fase dos podcasts no Brasil

Conteúdo de qualidade continua sendo o grande imantador de audiência a despeito de teorias que tentam ir contra essa máxima


10 de novembro de 2020 - 12h14

(Crédito: Max Kabakov/ iStock)

Um dos muitos novos hábitos adquiridos ao longo desta eterna pandemia tem sido o de ouvir intensamente podcasts. Nos últimos dias, dois deles chegaram aos seus respectivos últimos episódios com a sensação de final de novela do século passado e um vazio imenso: Praia dos Ossos e Retrato Narrado. Ambas super produções da Rádio Novelo, produtora de podcasts do grupo da revista Piauí. Praia dos Ossos, em especial, traz à tona uma história que não poderia ser mais atual num país como o Brasil, um dos campões mundiais de feminicídio: o assassinato de Ângela Diniz, em 1976, pelo seu então namorado Raul Fernando do Amaral Street, o Doca.

No primeiro julgamento, em 1979, a defesa de Doca Street, liderada pelo célebre advogado criminalista Evandro Lins e Silva, estava alicerçada no machismo que prevalecia na sociedade e na imprensa naquele momento. Lins e Silva defendeu o réu atacando a vítima — segundo ele, uma “Vênus lasciva” que não foi assassinada, mas “queria morrer” e insistiu no argumento da “legítima defesa da honra”. No segundo julgamento, dois anos depois, o Brasil era outro: a abertura política, o fortalecimento do movimento feminista e a progressiva emancipação das mulheres reverteram a injustiça da primeira condenação, tão leve que Doca foi posto em liberdade assim que a sentença foi pronunciada.

Ao jogar luz sobre as transformações pelas quais o Brasil passou nos anos que se seguiram ao assassinato de Ângela Diniz, Praia dos Ossos traça um impecável mosaico de uma sociedade alicerçada em torno do machismo estrutural. Não por acaso, o programa levou ao ar o último dos seus oito episódios na mesma semana em que o site The Intercept Brasil divulgou imagens da audiência da influenciadora digital catarinense Mariana Ferrer, que acusa o empresário André de Camargo Aranha de estupro. Nas cenas que vieram a público, o promotor do processo, Thiago Carriço de Oliveira usou o argumento de que não houve dolo porque não havia como o empresário saber, durante o ato sexual, que a jovem não estava em condições de consentir a relação.

Mais de quarenta anos separam os dois casos, mas ambos mostram facetas semelhantes da sociedade quando o assunto é violência contra a mulher. Por outro lado, algumas das mudanças e avanços ao longo dessas últimas décadas são fáceis de serem sentidas nas novas formas de consumo e produção de conteúdo e os podcasts estão no topo desta lista.

A pesquisa Podcast Stats Soundbites, do Spotify, coloca o Brasil como “o país do podcast”, ficando atrás apenas dos Estados Unidos. Segundo os dados da empresa, o consumo dessa modalidade de conteúdo em áudio na plataforma brasileira tem crescido uma média de 21% mensalmente desde janeiro de 2018. Ao atingir seu pico de popularidade em 2019, a alta no consumo de podcasts tem levado o próprio Spotify a redirecionar boa parte de seus esforços para este tipo de programa, e não mais para música, produto sob o qual se originou, por uma questão de modelo de negócios.

Enquanto a legislação prevê a remuneração de músicos e artistas por parte das plataformas, a podosfera, por ser um ecossistema ainda em consolidação, não tem essa prerrogativa. Como resultado, os algoritmos do Spotify têm estimulado as pessoas a ouvirem mais podcasts e menos música. Para alimentar essa demanda, a empresa intensificou o investimento na produção própria de originais e na aquisição de algumas produções para se tornarem exclusivas e assim poder ter mais massa crítica a oferecer tanto para assinantes quanto para as marcas.

A próxima etapa deste movimento provavelmente envolverá modelos sustentáveis de remuneração dos produtores de conteúdo que tanta audiência gera para as plataformas de áudio. O modelo a ser seguido é o da poderosa Netflix, 100% financiado por meio de assinaturas, garantindo caixa para bancar o investimento em suas próprias produções.

No Brasil, a gigante do streaming assistiu, na semana passada, a um movimento interessante por parte de duas importantes competidoras com a parceria entre Globo e Disney que passarão a ofertar seus dois serviços, Globoplay e Disney+, sob um único pacote, a partir do próximo dia 17, quando a gigante global do entretenimento estreia por aqui seu streaming, um ano depois de ter sido lançado nos Estados Unidos.

No caso das plataformas de áudio, o modelo é um pouco diferente, pois há um híbrido entre o acesso gratuito, subsidiado por meio da publicidade, e o pago, livre de anúncios e bancado por meio de assinaturas pagas. O equilíbrio entre essas duas forças em um momento no qual a oferta por conteúdo on demand só cresce torna-se o grande desafio.

Neste contexto, produções como as da Rádio Novelo chamam a atenção. Apenas para Praia dos Ossos, houve um trabalho obsessivo de pesquisa, busca por uma nova narrativa sobre o caso, que contou com nada menos do que 60 entrevistas ao longo de quase dois anos de produção e o envolvimento de uma equipe formada por 40 pessoas. Algo impensável para qualquer produtora de podcast, configurando a Novelo como um oásis neste mercado. A atração, inclusive, chamou a atenção da produtora carioca Conspiração, que anunciou a compra dos direitos para transformar o podcast em uma série de ficção.

Ao anunciar a parceria com a Disney+, a Globo revelou que está em discussão, também, o lançamento de um serviço de áudio, com podcasts e outros formatos, que pode sair ainda este ano. Tais movimentos só reforçam que conteúdo de qualidade continua sendo o grande imantador de audiência a despeito de teorias que tentam ir contra essa máxima. E confirmam que conteúdo em áudio por meio dos podcasts vivenciam um momento singular, para sorte de nós, ouvintes.

*Crédito da foto no topo: Novendi Dian Prasetya/iStock

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