Em duas semanas, a gente volta

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Opinião

Em duas semanas, a gente volta

Completou um ano que estamos assim. Todos parecem exaustos. Tem alguma ideia para o jantar? Alguma maneira do tempo acelerar?


9 de março de 2021 - 12h37

(Crédito: Marcos Medeiros, sócio e chief creative officer da CP+B Brasil, mmedeiros@cpbgroup.com)

Em duas semanas, a gente volta. Não precisa tirar nada da mesa. Talvez seja rápido, uma precaução necessária. Nesse tempo, vamos aproveitar para testar novas formas de trabalhar. As aulas presenciais pararam, né? Um tempo a mais com os filhos em casa vai fazer bem a todos. Sabe aquela coisa de cozinhar juntos? É a oportunidade que nos faltava para isso. Almoçar e jantar reunidos, discutindo o que aconteceu no dia. Falaram que temos que lavar todas as embalagens do mercado. É bom tirar a roupa antes de entrar em casa. Não precisa ser no corredor da área comum, não, mas convém deixar os calçados para fora. Ah, por falar em sapatos, vai ser bom ficar 15 dias de chinelo. Temos que comprar máscaras e álcool em gel. Viu que loucura essa coisa de estocar papel higiênico? É cada uma.

Em um mês, a gente volta. Não deve passar disso. Tenta esquecer um pouco o noticiário. Já se adaptou ao Zoom? Cuidado para não mostrar demais a sua casa, hein? Tenho essa paranoia. Escuta, alguém ainda usa Skype? Por via das dúvidas, melhor baixar de novo. Cada reunião pede um aplicativo, cada aula da escola das filhas pede outro. Eu estoquei aplicativos. Periga eu ter uma versão do ICQ, até. Os almoços têm sido bons momentos para conversar, mas pensar no cardápio e cozinhar não está sendo fácil como eu pensava. Acabou o álcool em gel na farmácia. Você ainda tem algum? Tem gente dizendo que é uma gripezinha, que só os idosos vão morrer. Acho melhor nos prepararmos para o pior e esperar o melhor. É do Cortella essa frase? Tem certeza? Não é daquelas frases que atribuem a uma pessoa e nunca é daquela pessoa? Gosto desse pensamento. Tomara que seja do Cortella. Gosto dele, também. Me peguei rindo ao lavar as frutas que chegaram na entrega. É uma tarefa estranha. Você tem acompanhado as notícias da Itália? Sei que falei para você não acompanhar o noticiário, mas estou com medo.

Em três meses, a gente volta. Acho melhor pensar assim. Será que vai ter Olimpíada? Fiquei pensando nos atletas que se prepararam para esse momento. Para alguns, esse ano era crucial. Tomara que tenha. Você sabia que mais da metade dos atletas só vai para a Olimpíada uma vez? Não sei de onde veio essa estatística, não. Pareceu real. Agora, é ocupar a cabeça com cursos, com filmes, com entretenimento. Se fosse nos anos 1980, seria mais difícil achar o que fazer. Um amigo vai aprender um instrumento. Outro está fazendo pão. Não sei como dizer para as minhas filhas que isso vai até o fim do ano. Penso em três meses, agora. Tô sendo exagerado? Nunca mais usei uma calça jeans, estou apaixonado pela air fryer. Ah, música alta ajuda na faxina. Penso nas crianças que deveriam estar lambendo o corrimão, comendo terra do parquinho, tomando a vitamina “S”. Ouvi dizer que é bom tomar vitamina D, viu? Porque não estamos pegando mais sol como antes. Vários restaurantes fecharam. Parei de olhar para o mundo porque tem me dado agonia. Nova York pareceu aquela do filme do Will Smith. Qual o nome do filme mesmo? Aquele dos zumbis, caramba. Deixa para lá. Vou fazer um misto para o jantar. Acabaram as ideias de cardápio.

No fim do ano, a gente volta. Não, não deve ter festa da firma. Mas deve ter Natal em família, ao menos isso. Os números estão caindo, o cansaço está aumentando, ninguém aguenta mais isso. Na China, parece que a vida voltou ao normal. Já tem vacina quase aprovada. Com vacina, a gente volta. O pavor são os negacionistas, né? Mas prometi ser otimista e não vou falar disso. Tentei fazer pão. Ficou horroroso. Já vamos para o terceiro litro de álcool em gel em casa. Em compensação, parei de lavar as coisas com a mesma intensidade. As crianças não aguentam mais EAD. Elas querem encontrar os amigos, brigar pelo brinquedo no recreio. Os adolescentes nunca imaginaram ficar tanto tempo com os pais. Não era a hora para isso. Era hora de dar beijo na boca, chegar tarde sem avisar, questionar os comandos, pegar mononucleose. Os adultos também queriam o seu momento de criança. Um colo seria bom. Você está fazendo terapia? Reunião por Zoom é legal, mas cansa, né? Reparei que os atrasos diminuíram. Saudades de abrir pacote de amendoim com a boca.

Em 2021, a gente volta. E volta com tudo. Volta renovado. Estou tentando acreditar nisso. Cancelamos o Natal. Vamos ficar só nós. Não, não tenho tio negacionista na família, não. Cruzes! Vai ter rabanada para alegrar a noite. Rabanada é uma pequena forma de felicidade. Vamos cozinhar menos nesse ano. É sempre um exagero de comida. Paramos de lavar as coisas do mercado. Saiu um estudo que diz que não é isso que nos protege. Máscaras, álcool em gel, distanciamento, sim. Já não sinto mais incômodo atrás da orelha com o elástico da máscara. O fone que uso nas reuniões está se desmanchando lentamente. Talvez eu precise de óculos para perto, excesso de telas. Voltei a ler os jornais porque sempre há a Nova Zelândia como esperança. O Trump perder a eleição ajudou a dar alguma retrospectiva possível para esse ano. Não é medo, agora, é desalento.

Em algum momento, a gente volta. Israel vacinou metade da população. Até o fim de maio, os americanos estarão vacinados. Uma hora chega para todos aqui. Vai demorar, não deveria. As lições bonitas ficaram no primeiro mês da pandemia. Não viu a enfermeira fingindo aplicar vacina em um idoso? Ainda é preciso explicar sobre o uso de máscaras. Os números voltaram a subir. Completou um ano que estamos assim. Todos parecem exaustos. Tem alguma ideia para o jantar? Alguma maneira do tempo acelerar? Cuide-se. Quando chegar o momento, a gente se aglomera comendo terra que nem criança no parquinho das emoções que ficaram contidas.

*Crédito da foto no topo: Oleg Magni/Pexels

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