Urgência e relevância

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Opinião

Urgência e relevância

Mesmo mais comedido, Cannes Lions distribui centenas de troféus em suas quase 30 competições, o que suscita a questão: o que, de fato, é duradouro e aponta caminhos para o futuro da indústria?


5 de julho de 2022 - 15h00

O mundo clama por urgência na resolução de problemas que emperram a evolução da democracia, das relações humanas e a preservação da saúde mental e da dignidade das pessoas. Pelo menos é o que mostram as campanhas campeãs mundiais do Cannes Lions 2022. Elas endereçam suas mensagens para temas como a crítica à liberalidade no comércio de ermas de fogo, o combate à destruição humanitárias e cultural causada pela guerra, o enfrentamento de manobras de um governo que quer se manter no poder e a preocupação com as angústias da adolescência vivida em tempos de pandemia.

Como tem feito nos últimos anos, Meio & Mensagem contabiliza todos os prêmios entregues pelo festival para apontar as ideias de melhor performance. Neste ano, foram 826 Leões distribuídos — o menor número da última década. Uma das questões que se impõem é: nesse punhado de troféus, o que, de fato, é duradouro e aponta caminhos para o futuro da indústria? Das dez campanhas listadas na reportagem das páginas 28 e 29, pelo menos oito tentam responder a demandas urgentes do mundo, de maneiras lúdicas, corajosas e com alto impacto criativo.

O já célebre “The lost class”, da Leo Burnett Chicago, colocou defensores das armas para discursar diante de mais de três mil cadeiras vazias, que representavam estudantes mortos em ataques a escolas nos Estados Unidos. Outro premiado é um aplicativo que preserva, no ambiente virtual, construções, esculturas e pontos turísticos da Ucrânia, para criar de forma colaborativa o backup do país destruído pela guerra. No Líbano, a grande ideia foi de um jornal, que não imprimiu uma edição para garantir papel e tinta para as cédulas de votação necessárias para a realização de eleições — e contrapor o argumento de que era necessário adiá-las por falta de recursos.

Já o filme clássico mais premiado no festival que nasceu para valorizar comerciais para cinema e TV foi o alemão “The wish”, que narra com empatia a relação entre mãe e filho adolescente durante a pandemia, quando a vida dos jovens teve momentos ceifados. Esta campanha de Natal da rede varejista Penny e outro grande vencedor deste ano, o curta “Escape from the office”, protagonizado pelos The Underdogs da Apple, apontam para uma revalorização dos filmes, de histórias encenadas por atores, com primor nas técnicas, do roteiro à fotografia — um pouco de Cannes voltando à sua essência original.

Como tem ocorrido nos últimos anos, a defesa de causas de interesse da sociedade e a postura das marcas vinculada a propósito são maioria entre os cases de maior destaque no festival. O que suscita o debate sobre a mescla de funções da comunicação mercadológica: convencer e vender. Os riscos para os criativos que precisam se equilibrar em ambas são tratados na entrevista das páginas 6 e 7 por Bruno Bertelli, CCO global da Publicis Worldwide, que virou estrela após a conquista da conta da Heineken. Em Cannes, ele falou à editora Isabella Lessa sobre a necessidade de as marcas não perderem consistência ao se aliarem a causas, defendeu que ser relevante é mais importante do que ter um propósito, disse que os melhores clientes são os ambiciosos e criticou o modelo brasileiro de criação e mídia dentro da mesma agência, que, para ele, inibe a inovação.

O fato de o festival estar bem mais comedido na distribuição de Leões reflete a busca do evento — e de toda a indústria — por um modelo mais sustentável e econômico. O ambiente global de esperança pela saída da pandemia com novos hábitos, preocupação com a guerra na Europa e apreensão com a recessão em diferentes partes do mundo contrasta com excessos que Cannes ainda representa. Apesar da diminuição, a quantidade de prêmios gera o questionamento: existem tantas ideias extraordinárias sendo criadas e produzidas pela indústria de comunicação e marketing ao redor do mundo no espaço de um ano, a ponto de responderem à demanda das 29 competições que integram o festival.

Nos júris, avaliações mais exigentes cobraram performance até mesmo dos trabalhos notáveis pela criatividade, antes tidos como inquestionáveis. Com novas posturas, o Cannes Lions mantém a luta pela preservação de sua própria relevância, mesmo em meio a celebrações e ideias efêmeras.

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