Como a IA está transformando os cargos júnior nas agências
O Ad Age reúne dicas para os profissionais mais jovens conseguirem se destacar na era da IA

Estudos apontam que houve um declínio de 13% nas contratações de jovens até 25 anos (Créditos: Divulgação)
Com informações do Ad Age
Já é amplamente reconhecido que a IA vai colocar alguns cargos em risco, especialmente posições júnior. Mas isso não significa que não há outros caminhos para entrar nessa indústria — o caminho só está um pouco diferente.
“A realidade é, os avanços tecnológicos e mudanças na indústria sempre existiram”, explica Vann Graves, diretor executivo da VCU Brandcener, ao Ad Age.
Ele cita como exemplo o boom do e-commerce no fim dos anos 90, caso em que alguns empregos foram perdidos e outros criados. Graves explica que essa é uma realidade para o mundo corporativo atual. “É sobre ser capaz de se ajustar às mudanças tecnológicas”.
Esses ajustes incluem repensar as posições júnior na indústria, comumente chamadas de “cargos de apertar botão”, que agora estão sendo substituídos por trabalho mais automatizado e focado no cliente.
A publicidade — bem como outras indústrias — podem enfrentar um colapso sem um fluxo constante de novos talentos, então agora os líderes enfrentam a missão de criar novos cargos que sobrevivam à chegada da IA.
A prestação de contas já está aqui. Um novo estudo da Stanford Digital Economy Lab descobriu um declínio de 13% na empregabilidade em empresas que adotaram a IA, principalmente na faixa etária de 22 a 25 anos.
No ramo publicitário, cargos como copywriting júnior, produção e mídia — incluindo em programação e anúncios operacionais — estão começando a ser substituídos por IA, e essas perdas não estão sendo suplementadas por outras pessoas.
O Ad Age falou com nove executivos de agência, além de educadores e profissionais de marketing, para entender como os cargos júnior estão sendo reinventados e como os novos talentos precisam ser treinados.
Abaixo estão algumas dicas valiosas e habilidades que os talentos em início de carreira precisarão para conquistar esses cargos.
Compreendendo os fundamentos
A inteligência artificial está eliminando a parte cansativa do trabalho, o que é benéfico de muitas maneiras, segundo Sean Corcoran, presidente de mídia e análises da BarkleyOKRP e MissionOne Media.
Corcoran se refere a cargos de mídia, especificamente, incluindo funções de mídia programática, social paga e search. Colaboradores júnior, em geral, são responsáveis por tarefas como gerenciamento de lances, reportar otimizações, tráfego e funções de planejamento.
“A IA pode e está assumindo essas funções específicas”, diz o executivo ao Ad Age.
Isso contribui para uma mídia mais eficiente e, consequentemente, permite que as pessoas se concentrem em tarefas mais estratégicas e analíticas, segundo Corcoran.
Entretanto, existem desvantagens. Corcoran diz que se profissionais jovens não tirarem algum tempo para entender como a tecnologia funciona, eles podem não entender como executar atividades mais avançadas, como estratégia.
“Se torna mais difícil prescrever escolhas estratégicas quando você não entende as tarefas”, explica.
Justin Roberts, vice-presidente global de cultura e inclusão na agência de marketing digital, Kepler, afirma que entender tarefas operacionais “nos ajuda a tomar decisões mais informadas”.
“Eu comparo isso a ser um mecânico: você precisa entender o que está debaixo do capô para oferecer um bom serviço. Estamos perdendo a experiência debaixo do capô e apenas confiando que o carro vai funcionar bem”.
Graves explica que estudantes da VCU Brandcenter ainda estão aprendendo tarefas mecânicas. Por exemplo, ele disse que estudantes aprendem como tirar fotos com câmeras reais antes de usarem plataformas de IA para criar imagens, porque isso os ajuda a entender como visualizar e criar prompts melhores.
“Se eles realmente entenderem o que é a abertura da câmera e o que aqueles ajustes significam, eles poderão aplicar isso ao trabalho e então usar IA como uma ferramenta, ao invés de ser uma ferramenta para a IA”, explica ao Ad Age.
Wesley ter Haar, cofundador e CAIO da Monks, explica que ainda existe uma necessidade de ensinar os fundamentos aos profissionais mais jovens, incluindo tipografia e design de qualidade.
Ele discorda da ideia de que profissionais júnior precisam entender todas as mecânicas técnicas, como operações de anúncios, algo que a IA já faz.
“Já passamos por esses ciclos antes”, conta ao Ad Age, usando como exemplo o momento que as agências deixaram de ter um departamento de impressão, alegando que os jovens ainda deveriam saber como usar uma prensa gráfica.
“Nós sempre falamos isso. Parece verdade, mas não acho que seja. Você não deve ter experiências profundas ou super nichadas para ser bom, porque ferramentas evoluem. É dessa maneira que a inovação funciona”.
Menos oportunidades de trabalho, porém mais valiosas
Conforme a indústria substitui papéis mecânicos pela IA, haverá uma disponibilidade menor de cargos iniciantes. Corcoran explica que essas posições apresentarão oportunidades de maior qualidade.
Ao invés de ter funcionários que vão “sentar e realizar tarefas”, as agências irão ensinar como fazer recomendações para clientes e haverá “um foco maior em trabalho estratégico”, explica.
Jennifer Vianello, CMO da Cars Commerce, explica que a ascensão da IA aumentou a demanda por posições júnior ao invés de especialistas, incluindo pessoas formadas em pensamento crítico e que podem conectar os pontos.
“Nós formamos muitas pessoas para serem designers gráficos e não estrategistas criativos”, conta ao Ad Age.
Tony Stanol, presidente de recrutamento global da Sarasota, afirma que, em certos departamentos, incluindo mídia, talentos júnior podem liderar times e fazer apresentações para clientes, porque nessas áreas as equipes costumam ser mais enxutas. “A promoção vem rápido”, conta o executivo ao Ad Age.
Uma pesquisa recente do Ad Age sobre posições júnior em Nova York mostrou que algumas empresas estão buscando candidatos adeptos a áreas de maior habilidade, como gerenciamento de relacionamento e apresentação para times internos e externos.
Corcoran diz que os desafios de ensinar profissionais jovens a enfrentar tarefas estratégicas continuarão a existir.
E não está claro se os clientes, que normalmente preferem ter executivos seniores em suas equipes, serão tão receptivos a interagir com profissionais júnior.
“Você pode ter na equipe o jovem de 22 anos mais inteligente do mundo, mas o cliente ainda vai pensar : ‘essa pessoa é bem nova, né?'”, explica ter Harr ao Ad Age. “É uma situação complexa”.
Wil Reynolds, fundador e CEO da Seer Interactive, diz que pode ser difícil colocar um profissional jovem em um projeto para uma das maiores empresas dos EUA, mas um júnior pode ganhar experiência com clientes menos relevantes, acrescentando que sua agência de marketing digital alcançou sucesso com a estratégia.
Como estratégias de treinamento estão evoluindo
Reynolds tem reinventado cargos júnior em torno da IA para um grupo de estagiários, baseado em sua agência na Filadélfia.
Ele diz que não é apenas a coisa certa a fazer, mas que a Seer Interactive se beneficiará ao ter acesso aos melhores talentos. “Você precisa optar por investir na educação das pessoas”, explica Reynolds ao Ad Age.
A PMG tem ajustado seu programa de formação de líderes para dar aos funcionários júnior mais funções, de acordo com Stacey Martin, CPO da agência.
A PMG oferece o programa desde 2018 e recrutou sua maior classe nos últimos meses, com 80 funcionários, o que é o dobro da quantidade aceita pelo programa no ano passado.
Todos os anos, em junho, um grupo é contratado para participar de um programa de treinamento de 8 semanas, que envolve diferentes workshops e mentorias. Por volta de agosto, os profissionais estão prontos para liderar uma conta específica, segundo Stacey.
Em seu primeiro ano, o programa de liderança formou muitos currículos em 16 semanas — “uma classe com experiência voltada para mídia”, acrescenta Stacey.
Após a chegada da IA, aquela abordagem de treinamento do curso não seria suficiente, então a PMG incluiu treinamentos específicos de IA e trabalhos reais com clientes no programa.
“Nós a usamos como aceleradora”, explica. “É assim que vamos impulsionar sua carreira dentro da indústria e criar futuros líderes. Nosso currículo agora é mídia, criatividade, análise de dados, engenharia de software por IA e estratégia para consumidor. O programa é multidisciplinar”.
As admissões do programa de liderança da PMG são rotativas em várias contas de clientes, desde o primeiro dia. “Eles estão aprendendo nossa tecnologia, nosso sistema operacional, as crenças obsessivas dos nossos clientes”, explica Stacey ao Ad Age.
Roberts explica que a Kepler usa uma abordagem balanceada para treinar participantes da Kepler U, um programa de marketing de oito semanas.
É um mix de “mentoria prática” e trabalho em campanhas reais, “mostrando as ferramentas e explicando o que elas fazer e por que” para os estudantes. Desde o início do programa, em 2021, 550 profissionais graduaram e mais de 300 deles estão empregados em alguma empresa do ramo publicitário, segundo Roberts.
Posições em IA criam oportunidades para júniors
A IA também produz oportunidades para profissionais jovens, como em pesquisa.
Os estagiários de Reynolds vêm estudando as chamadas ‘alucinações’ de IA — uma resposta incorreta aos modelos que a IA costuma gerar — incluindo investigar quais modelos são os maiores responsáveis por gerar alucinações.
Ele explica que vê a questão como um novo tipo de responsabilidade para profissionais jovens, e que os estagiários estão testando prompts para explorar modelos diferentes.
“Você gostaria de saber se a Claude Opus 4.1 é melhor que o Chat GPT 5?”, acrescenta Reynolds. “Para isso, você vai ter que testar repetidamente todas as semanas para descobrir se é melhor ou não. Muitas pessoas não querem isso. Então é uma ótima oportunidade para incluir alguém mais jovem”.
Reynolds diz que está buscando estagiários que se aprofundem em resolver o problema, por exemplo, ao mudar os prompts para ver se produz menos alucinações. “São essas pessoas que eu quero contratar para cargos júnior”, afirma.
Outra função específica voltada para IA é a de tecnólogo criativo. O Ad Age recentemente destacou 13 agências e companhias que estavam contratando pessoas para funções específicas em IA, mesmo que maioria dos cargos fossem para profissionais mais antigos.
Code and Theory contratou um tecnólogo criativo em junho. Entre suas atividades, está contribuir para engenharia de prompt e colaborar com estágios iniciais de protótipos para design assistido por IA e automação.
“Nós contratamos mais tecnólogos criativos júnior, criadores de pipelines de dados e desenvolvedores de agentes,” afirma ter Haar. “Eles criam agentes, são bons com prompts, impulsionam modelos… tem um pouco de vários talentos que percebemos mais em colaboradores jovens do que nos mais antigos”.
Entender como usar IA — ou pelo menos ter um senso de curiosidade para aprender — é necessário nesse momento, segundo o que muitos entrevistados dizem ao Ad Age.
A IA é “mais uma copiloto do que uma substituta”, conta Stanol ao Ad Age, então “os humanos que aprendem a usar IA vão substituir os humanos que não sabem”.
John Moore — ex-CEO global da Mediahub (IPG Mediabrands), que recentemente fundou a consultoria Harmonium — diz que será imperativo que novos profissionais entendam IA de maneira profunda e se tornem agentes disso.
“Você pode ou não ser substituído pela IA, mas você com certeza será substituído por alguém que entende de IA”, explica Moore ao Ad Age. “É necessário entender como modelar sistemas de IA, explicar o poder da IA de maneira simples e contar aos clientes que você é um humano essencial para possibilitar a promessa da IA”.
Ter Haar disse que é, pelo menos, encorajador ver mais profissionais júnior “nativos da tecnologia”, o que lhes dará uma vantagem. “Pessoas júnior que são muito habilidosas no uso de [modelos de linguagem grande] ou diferentes pipelines para realizar seu trabalho podem ser um sopro de inovação e ajudar seus colegas a avançar mais rapidamente nessas fases”, conta ao Ad Age.
Roberts explica que engenharia de prompt — como escrever prompts efetivos ao usar ferramentas de IA — é uma das coisas que a Kepler busca em seus talentos júnior, e é algo que a Kepler U ensina a seus alunos.
Estratégias que garantem uma posição júnior em empresas publicitárias
Fora da IA, existem habilidades e traços que os funcionários sempre vão buscar em um talento júnior.
Moore explica que isso inclui “entusiasmo, energia e curiosidade. Inspiração ajuda todos a sonharem. Quer ser notado? Então levante a mão e se faça notável. Se torne um comunicador de destaque. Storytelling é a chave para o sucesso, e poucas pessoas na indústria são boas nisso. Aproveite a chance”, diz ao Ad Age.
Ter bons contatos segue sendo algo muito importante. “Use todos os contatos que você tem”, explica Moore. Garanta que conhece bem a empresa na qual está tentando entrar antes da entrevista, e siga os executivos principais no LinkedIn. Ouça podcasts nos quais eles participaram para entender o que os torna relevantes”, acrescenta.
Roberts aconselha aos jovens que levem a educação a sério, e busquem certificações online, acrescentando que pode ser ‘desanimador’ quando você se candidata a vagas sem sucesso por meses. Mas “boa parte do processo exige perseverança”, conta ao Ad Age.