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Mídia

Do glamour ao ativismo: a mudança dos influenciadores

Paula Gertrudes, da Cara de Conteúdo, e a atriz Taís Araújo falam sobre como o ativismo social e político dos influenciadores passou a ser aceito pelas marcas


11 de agosto de 2020 - 13h02

A pandemia acelerou não somente a adoção de alguns comportamentos e tecnologias, como também impulsionou algumas tendências já em curso, como o endosso das marcas aos influenciadores ativistas de causas sociais e políticas.

Se até alguns anos atrás o ativismo de uma personalidade reduzia a quase zero suas chances de fechar um contrato publicitário, a realidade atual é oposta, em um contexto no qual as próprias marcas são cobradas a não ficarem em cima do muro. Exemplo recente é o do ator Thammy Miranda, escolhido pela Natura para protagonizar a campanha de Dia dos Pais da marca, criada pela DPZ&T. Ao destacar um homem transgênero em sua comunicação, o anunciante sedimentou seu posicionamento diante de questões como diversidade de gênero, paternidade e masculinidade, atraindo reações polarizadas do público nas redes sociais e, sobretudo, gerando debates sobre esses temas na mídia.

Para Paula Gertudes, diretora artística da Cara de Conteúdo, o olhar das marcas em relação aos influenciadores começou a mudar cerca de cinco anos para cá. “Em 2014 o principal ativo era se o protagonista de novela ia ter repercussão ou não. A questão do ativismo entrava como ponto crítico a ser analisado e a personalidade era bem vista quando tinha causas amplas e menos polêmicas, como a paz no mundo, a ecologia, causas envolvendo crianças. Dependendo do grau do ativismo, havia um risco para a marca, o número de possibilidades de a campanha dar errado era grande”, afirma. De lá para cá, segundo ela, o consumidor passou a querer que as mascas se posicionassem diante de questões políticas e sociais e, nos últimos dois anos, essa responsabilidade passou a ser transferida também para as celebridades.

Colin Kaepernick, ao centro, e outros dois jogadores em protesto durante a execução do hino nacional norte-americano, em 2018 (Crédito: Reprodução)

Nos EUA, um dos exemplos mais emblemáticos é o de Colin Kaepernick, que se tornou o rosto das campanhas da Nike em 2018. Dois anos antes, o jogador de futebol norte-americano passou a se ajoelhar durante a execução do hino nacional antes das partidas, em protesto a desigualdade racial. Ao mesmo tempo em que ganhou prêmios (diversos Leões em Cannes e até um Emmy) pelos comerciais e pelo posicionamento junto ao atleta, a Nike foi alvo de boicotes, mas se mantém firme no discurso desde então. Em junho, um comissário da NFL disse à ESPN que encorajará os times a assinarem com Kaepernick, que está fora da liga desde que fez os protestos em campo.

No Brasil, essa tensão social também vem se intensificado nos últimos quatro anos, com as sucessivas crises políticas mobilizando a população. O cenário fez com que novas vozes políticas emergissem, vindas de outros lugares que não o Congresso. É o caso de Felipe Neto, influenciador e youtuber, que, por meio de seu Twitter, tornou-se uma das figuras públicas mais críticas ao governo Bolsonaro (nas últimas semanas, o apresentador foi alvo de ataques virtuais depois de gravar um vídeo para o New York Times em que disse que o presidente brasileiro é o pior do mundo no combate à Covid-19). Ele e Anitta, aliás, ocupam o segundo e terceiro lugar, respectivamente, como personalidades mais influentes na política nacional, atrás somente de Bolsonaro, de acordo com pesquisa realizada em junho pela empresa Quaest, divulgada pelo jornal O Globo.

Uma das figuras que tem transitado entre os universos da política e da parceria com marcas é Gabriela Prioli, mestre em direito penal, apresentadora da CNN Brasil e colunista da Folha de S. Paulo. Ela, que discorre nos veículos para os quais trabalha e em seu canal do YouTube sobre a política brasileira, fez publis para a farmacêutica Addera e estreou, em maio, como embaixadora para Quem disse, Berenice?, marca d’O Boticário.

Há dois anos, Taís Araújo lançou, para a mesma marca, uma coleção de batons. Paula, que conectou a atriz à empresa na época, lembra que o período era de plena polarização, às vésperas da eleição presidencial, mas o posicionamento de Taís diante de questões políticas e sociais não impediu a parceria: pelo contrário, houve uma aceitação de ambas as partes quanto a liberdade que ela continuaria tendo para se expressar sobre esses temas.

Na visão de Taís, o fato de ela tocar nesses assuntos impacta diretamente sua decisão de se juntar ou não a uma marca. “Hoje, faço uma pesquisa para saber o posicionamento da marca. Há casos em que a marca se reposiciona e a reinserção a partir do erro é importante. Vejo que existe um olhar mais amplo e crítico dos dois lados, claro que escolho me associar a marcas que tenham valores parecidos com os meus. E, além disso, eu gosto de criar junto”, diz. Mas a atriz relembra que nem sempre foi assim. Ainda no início da carreira, na adolescência, com frequência viu sua imagem sendo colocada sob o ponto de vista de uma pessoa que havia conversado com ela por cerca de duas horas. “Ou seja, a imagem que ele ou ela construía de mim vinha carregada de coisas que diziam respeito a outra pessoa, a origens, conhecimentos e preconceitos de outra pessoa”, explica. Para ela, além da questão do ativismo, a internet deu a oportunidade às personalidades de “desglamourizar” suas vidas, o que cria uma relação mais direta e transparente com o público. Caminho esse, aliás, que tem sido buscado pelas marcas.

Antes da pandemia, Taís havia sido convidada para estrelar um comercial de Doril. Mas o isolamento social veio e ela propôs que seu marido, Lázaro Ramos, que, além de ator é diretor, a dirigisse em casa, capturando a vida real. “Não fazia mais sentido fazer uma campanha com roteiro, mas sim mostrar a vida da Taís como ela é hoje. Foi muito legal usar os elementos da vida real, aquilo que ela estava aprendendo e compartilhando. Ficou autêntico”, comenta Paula.

Para a consultora, a intimidade que se criou durante a pandemia, com a maior exposição das casas das pessoas nas videoconferências, é algo que tende a permanecer. No entanto, o lado aspiracional que permeia os universos da beleza e do lifestyle ainda é necessário, ainda que sem a pecha de beleza inalcançável.

Taís Araújo e Lázaro Ramos no making of da campanha criada para Doril (Crédito: Reprodução)

“Isso nem cabe mais. Meu olhar, enquanto consumidora, quer uma pessoa que me diga alguma coisa, quero saber quais os pensamentos e valores da marca. Já li nas minhas redes sociais que, se eu não tiver conteúdo, não engajo”, afirma Taís.

Com a intenção de aliar propósito e posicionamento de influenciadores e marcas, a Cara de Conteúdo fez, em julho, trabalhos com Nathalia Arcuri, do canal Me Poupe!, que estrelou a campanha da WMcCann para a Estácio sobre os benefícios do ensino digital. E, no mesmo mês, lançou o projeto #ComidaDeCasaCamil, da Camil Brasil, com a apresentadora e culinarista Rita Lobo. A campanha foi criada pela Lew’Lara\TBWA.

“As duas campanhas são com produtoras de conteúdo. A Nathália tem essa plataforma de educação financeira. E a Rita há 20 anos defende comida de verdade. Poderia ter escolhido alguém do MasterChef, mas a Rita faz um trabalho sério com o Ministério da Saúde e outras entidades”, ressalta Paula. Ainda que haja essa mudança de percepção do público e das marcas diante dos influenciadores, a profissional acredita que ainda há um caminho a ser percorrido pela publicidade brasileira em direção a caminhos mais autênticos e transparentes.

*Crédito da imagem no topo: Divulgação

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