A arte de sustentar o desconforto
Como a palavra pode redefinir conflitos nas organizações
“Eu não sei como será a terceira Guerra Mundial, mas posso te dizer como será a quarta: com paus e pedras.” A frase de Albert Einstein, tantas vezes repetida, nos soa quase como uma profecia. Ela fala menos sobre armas e mais sobre um ciclo humano persistente: o da destruição repetida pela incapacidade de lidar com nossas tensões, internas e coletivas.
Vivemos em uma sociedade que não aprendeu a sustentar o incômodo. Que reage com silêncio, com explosão ou com fuga diante do que exige enfrentamento maduro. Não vamos lidar com os grandes desafios do nosso tempo sem aprender a lidar com as tensões. Essa é uma das grandes urgências do século 21.
Nos ensinaram que conflitos são falhas no sistema, que quando há tensão em uma equipe, em uma comunidade ou em uma sala de aula, alguém está errado, mas essa lógica binária só reforça o medo do confronto e a cultura da omissão.
A presença crescente de mulheres, pessoas negras, pessoas com deficiência, corpos dissidentes e gerações diversas nos espaços de poder, como empresas, conselhos, universidades e movimentos sociais, inevitavelmente gera novas formas de pensar, viver e se expressar. Isso é desejável, necessário, mas gera tensão e não há gestão de diversidade sem gestão dessa tensão.
A diversidade real implica em divergência e a divergência, quando não reconhecida como parte legítima do processo, é tratada como ameaça e não como potência. Por isso, a maior parte de nós aprendeu a sustentar tensões com violência. Seja ela explícita com gritos, silenciamentos, exclusões, ou sutil, como o desprezo, o sarcasmo ou a manipulação emocional. A violência foi a linguagem aprendida onde faltou escuta, segurança e modelo de diálogo.
Essa lógica se traduz na forma como lidamos com o desconforto no ambiente de trabalho: reuniões tensas viram jogos de poder; feedbacks viram ataques; silêncios viram barreiras. A tensão mal gerenciada vira ressentimento, e o ressentimento vira distanciamento. Em última instância, todos perdem.
Mas, se a violência é a linguagem da ruptura, a palavra é a linguagem da reconstrução. Defendo que só conseguimos lidar com as tensões da vida e da sociedade brasileira quando recolocamos a palavra no centro, mas não qualquer palavra: a palavra que escuta, que se responsabiliza, que nomeia o conflito sem julgar, que se propõe a transformar.
Aprender a usar a palavra como mediadora é aprender a transformar a raiva em expressão legítima, a insegurança em escuta ativa, e a desconfiança em curiosidade mútua. É fazer da conversa uma ponte e não um campo de batalha. Conflito não é o fim… é o convite.
No coração de qualquer processo de mudança verdadeira existe uma tensão fundadora. Ela revela as rachaduras do que já não serve e as possibilidades do que ainda está por vir. Conflitos, quando bem cuidados, não são barreiras. São convites para um novo pacto coletivo. Mas isso exige coragem: de escutar o que não é confortável, de renunciar ao controle, de sustentar o que ainda não tem resposta.
Exige lideranças preparadas não apenas para inspirar, mas para manter o vínculo mesmo nos momentos difíceis.
A quarta guerra mundial com paus e pedras talvez não seja literal, mas pode se manifestar na forma de guerras cotidianas, entre times, classes, corpos e ideias. Porque ainda não aprendemos a fazer da palavra o nosso instrumento mais potente de reconstrução.
Por isso, dê nome ao que está acontecendo, conflitos mal gerenciados nascem da negação, e aquilo que é nomeado pode, enfim, ser cuidado. Substitua o julgamento pela curiosidade, ela é o antídoto da desconfiança e tem o poder de transformar muros em pontes. Use a palavra como vínculo, não como arma, palavras que cuidam constroem, enquanto as que ferem apenas reforçam distâncias. Pratique o feedback como um gesto de confiança, ele não deve punir, mas convidar à maturidade e à responsabilidade compartilhada. E, por fim, aprenda a sustentar o silêncio sem se defender porque nem tudo precisa de resposta imediata, e segurar o que ainda está em construção também é um ato de coragem.
O que está em jogo é nossa capacidade de entender que esse aprendizado pode ser parte da nossa escolha coletiva e que quando transformamos o conflito em caminho, a tensão em potência e o incômodo em oportunidade nos tornarmos mais humanos.