Opinião

Quando a revolução tecnológica tira o chão

Como o impacto da IA nos negócios repete padrões históricos de transformação — e por que o desconforto é parte do processo

Marcelo Passos

Fundador da AlphaGo Brasil 23 de outubro de 2025 - 6h00

No início do século XX, fábricas iluminadas por lâmpadas elétricas ainda dependiam de processos herdados do tempo do vapor. A luz brilhava, mas a produtividade não avançava no mesmo ritmo. Era preciso reorganizar máquinas, treinar equipes, reinventar rotinas inteiras. O intervalo entre promessa e resultado era um terreno instável, capaz de gerar entusiasmo e insegurança ao mesmo tempo. É nesse espaço que a inteligência artificial ocupa hoje o mundo dos negócios.

Desde que o ChatGPT entrou no vocabulário corporativo, conselhos de administração falam da tecnologia com convicção. Uma pesquisa global da McKinsey (2025) mostra que 78% das empresas já declaram usar IA em alguma função de negócio. O número impressiona, mas apenas 1% se consideram maduras, de fato capazes de extrair ganhos estratégicos. Essa discrepância ajuda a explicar a sensação de que todos falam a mesma língua, mas poucos sabem como traduzir palavras em resultados.

O marketing talvez seja o retrato mais nítido desse desconforto. Em pouco mais de uma década, o número de ferramentas digitais saltou de centenas para mais de 15 mil, segundo o mapeamento anual do MarTech Landscape. Cada nova semana abre mais corredores em um labirinto já difícil de explorar.

A pressão sobre os profissionais é evidente.Diversos levantamentos apontam que a vida útil de um CMO é curta. Em pesquisas recentes realizadas no Brasil, a média de permanência tem sido estimada em cerca de 2,4 anos, menos da metade do que se observa nos EUA, onde estudos da Spencer Stuart mostram um tenure médio de 4,3 anos. A cifra varia conforme o recorte e a metodologia, mas é suficiente para ilustrar a fragilidade do cargo. É tempo muito curto para compreender a engrenagem e insuficiente para transformá-la.

O acúmulo de dados amplia ainda mais a sensação de descompasso. Consumidores compartilham informações em cada clique, em cada anúncio interativo, em cada transação. O volume global já se aproxima de 163 zettabytes, de acordo com projeções da IDC. Mas a maior parte desses dados repousa fragmentada em departamentos que não conversam entre si. Há combustível em excesso, mas espalhado em recipientes separados. Falta o motor que concentre essa energia.

A cena lembra os primeiros anos da internet comercial. Empresas correram para lançar sites, mas o que surgiu foram vitrines vazias, sem propósito definido. Hoje, proliferam agentes virtuais criados sem clareza de uso, projetos-piloto que começam e terminam sem impacto. O padrão se repete: medo de ficar para trás seguido pela pressa em experimentar qualquer novidade.

Mesmo assim, há momentos em que a confusão cede lugar a um respiro. Quando executivos veem dados organizados em plataformas sólidas, capazes de traduzir volumes brutos em inteligência acionável, surge a sensação de que existe uma saída. É como o náufrago que encontra uma prancha em meio à tempestade: ainda distante da costa, mas com algo em que se apoiar.

Toda revolução tecnológica impõe essa travessia. A eletricidade, a internet, a inteligência artificial: todas tiraram o chão antes de firmar novas bases. O desconforto não é sinal de fracasso, é apenas consequência desta transformação em curso. As empresas que aceitarem viver esse período de instabilidade e souberem construir pontes sobre ele chegarão mais fortes ao outro lado.